Movimento exige saber “aspetos concretos” do “insucesso” das operações de abertura da Lagoa de Santo André ao mar

Helga Nobre

O recém criado Movimento Cívico pela Defesa da Lagoa de Santo André quer que as entidades competentes “identifiquem os aspetos concretos que conduziram ao insucesso” das operações de abertura da Lagoa ao mar e exigiu a adoção de medidas para evitar a degradação “das condições de habitabilidade dos residentes” e da saúde pública.

O Movimento, composto por moradores da Lagoa de Santo André e de Brescos e população do Concelho de Santiago do Cacém, enviou uma carta ao Governo, Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Direção Regional de Conservação da Natureza e Florestas do Alentejo,  Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), Administração de Região Hidrográfica do Alentejo, Capitania do Porto de Sines, Câmara de Santiago do Cacém e Junta de Freguesia de Santo André, na sequência “dos sucessivos falhanços” na abertura da Lagoa de Santo André ao mar.

No documento, o Grupo de Cidadãos considera que a operação, que decorreu nos dias 07 e 10 deste mês, “fracassou em ambas as tentativas, comprometendo não só os objetivos primeiros que levam, desde há pelo menos dois séculos, à sua realização, como o sustento económico da comunidade piscatória que, malgrado todas as adversidades, ainda subsiste e a própria saúde pública dos residentes e veraneantes que anualmente visitam este território”.

“Estes acontecimentos, recorrentemente repetidos nos últimos anos, têm vindo a provocar, por razões evidentes, um manifesto e crescente desagrado da comunidade piscatória e uma forte preocupação nos residentes na Lagoa de Santo André e na aldeia de Brescos”, lê-se no documento.

A carta resulta de uma reunião espontânea que decorreu, no passado dia 17, na sede da Associação de Moradores da Zona de Brescos (AMZB), e que juntou os dirigentes desta Associação, assim como da Associação da Lagoa de Santo André e Brescos (ALSAB), representantes da Junta de Freguesia de Vila Nova de Santo André e de forças políticas do Concelho.

O Movimento considera que “a APA, o ICNF e demais entidades envolvidas na abertura da Lagoa têm, com frequência, fracassado o processo de abertura da Lagoa de Santo André ao mar,  desperdiçando recursos públicos fundamentais e pondo em risco a economia, a sanidade local e o bem-estar da população residente” e crítica estas entidades pelo “acentuado distanciamento da população e comunidade piscatória, cuja sabedoria e experiência acumulada pode e deve ser compaginada com os ditames técnico-científicos de que fazem uso”.

No entender deste Grupo de Cidadãos, “a forma como tem sido executada a abertura da Lagoa negligencia todos os estudos efetuados relativamente aos procedimentos mais adequados a adotar e não cumpre o objetivo de renovação da água”.

“Contribui ainda mais para o assoreamento da Lagoa, uma vez que as areias provenientes da escavação ficam depositadas junto ao canal de abertura, permitindo, assim, que as marés as transportem para o interior do corpo lagunar”, sustenta.

Para o Movimento, “a não renovação da água da Lagoa tem como consequência a acumulação de matéria orgânica transportada pelas ribeiras que a alimentam, bem como de lamas e lodos, que degradam as condições de habitabilidade dos residentes, causando maus cheiros, propagação de mosquitos e de outras pragas que podem fazer perigar a saúde pública”.

Por estas razões, exige que as entidades competentes “identifiquem os aspetos concretos que conduziram ao insucesso das operações e forneçam à população esclarecimentos sobre esta matéria e que sejam identificadas as medidas de natureza cautelar para a execução de futuras ações similares”.

O grupo quer também que, no decurso deste ano, “as entidades competentes procedam, de acordo com as janelas temporais predeterminadas, à execução dos trabalhos de abertura da Lagoa, respeitando as evidências científicas e experiência acumulada da população e, em particular, da comunidade piscatória”.

E que, na fase de constituição do caderno de encargos da empreitada para a abertura da Lagoa, “adequem e especifiquem os meios técnicos necessários e os parâmetros mínimos a respeitar pelo executante para a correta realização dos trabalhos, elevando a taxa de sucesso e evitando o desperdício de recursos financeiros públicos”.

Na missiva, o Movimento diz esperar que a constituição da Comissão de Cogestão da Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha possa resolver uma situação que considera “insustentável para a população residente, comunidade piscatória, visitantes e turistas que vêm desfrutar de um património ambiental único e que a mesma não descure, em todo o processo e procedimentos, a participação da comunidade piscatória detentora de saberes ancestrais, contribuindo para o diálogo e promovendo a sua participação ativa”.

Por fim, o Movimento defende que “na elaboração de um plano de intervenção na Lagoa de Santo André sejam salvaguardadas as condições de habitabilidade, ambiente e saúde das populações, sustentabilidade da atividade piscatória e a preservação e continuidade da fauna e da flora de todo o ecossistema lagunar”.

Em declarações ao jornal O Leme, Isabel Pinheiro, Chefe de Divisão do Litoral da Administração da Região Hidrográfica (ARH)do Alentejo, lembrou que “são muito poucos os dias em que se pode fazer esta operação”.

No caso da Lagoa de Santo André, “ainda temos de conciliar o processo de abertura com os interesses da avifauna porque, se for aberta mais tarde, compromete os ninhos”, explicou, especificando que “a descida abrupta do nível da água leva as aves a abandonarem os ninhos afetando as posturas desse ano”.

“Escolhemos o dia do pico da maré. Não podia ser mais tarde por causa das aves, mas o mar estava muito alterado. A ligação ao mar foi estabelecida duas horas e meia depois do previsto, houve pouco tempo até ao pico da maré vazia para continuar o escoamento pelo canal e, na maré cheia, o mar fechou a barra”, relatou.

Quatro dias depois, a APA realizou “uma segunda tentativa para estabelecer uma nova ligação da barra ao mar”, mas sem sucesso, reconheceu a responsável, garantindo, no entanto, que houve “renovação da água”.

“Era desejável que estivesse aberta mais tempo, mas a renovação da água aconteceu. Portanto, do ponto de vista da qualidade da água o objetivo foi razoavelmente cumprido”, sustentou.

Questionada sobre a possibilidade de, até maio, voltar a repetir o processo, Isabel Pinheiro disse que essa “será uma outra opção que já não se relaciona com a qualidade da água e, nesse caso, terá de ser executada por outra Entidade que sirva outros valores, outros interesses”.