Movimento contesta projeto de grande Central Solar em Cercal do Alentejo

O recém-criado Movimento Juntos Pelo Cercal contestou o projeto de instalação de uma Central Solar em Cercal do Alentejo e alertou para os possíveis impactos negativos na agricultura, turismo e ambiente.


“Não estamos de acordo com a dimensão de um projeto”, que junta “cinco Centrais”, com licença de produção já atribuída pela Direção-Geral de Energia e Geologia, e que foi transformado numa única Central “por motivos económicos”, explicou uma das fundadoras do Movimento, Vera Camarena.


O Movimento de Cidadãos, que junta população e empresários ligados à agricultura e o turismo, foi criado “de forma espontânea”, após uma sessão pública de esclarecimento sobre a Central promovida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).


O projeto, cujo Estudo de Impacte Ambiental (EIA) esteve em consulta pública até 10 de maio, é contestado pelo Movimento, que antecipa o alegado impacto negativo que a instalação de uma Central Solar Fotovoltaica de grandes dimensões, a cerca de um quilómetro da Vila Alentejana, pode causar na Região.


Ao juntar as cinco Centrais de menor dimensão e uma Linha de Muito Alta Tensão (LMAT), o projeto vai ocupar “uma área gigante” de “cerca de 816 hectares” e ficará instalado “a um quilómetro da Vila de Cercal do Alentejo, a 50 metros de várias casas e muito próximo de vários turismos”, criticou.


“Sabemos que a transição energética é necessária e entendemos que o recurso à energia solar é fundamental e é uma prioridade neste momento, mas o que nos parece é que as coisas estão a ser feitas de maneira muito atabalhoada e sem medir as consequências de um projeto como este”, argumentou a empresária.


A Central que a empresa Cercal Power, S.A pretende desenvolver nesta zona do Concelho de Santiago do Cacém prevê um investimento global de 164, 2 milhões de euros e a instalação de 553.722 módulos fotovoltaicos, com uma potência total de injeção de 223,6 MVA (megavolt-ampere) para produzir em média 596.206 megawatts (Mwh)/ano, é referido no resumo não técnico do EIA, consultado pela Lusa.


Segundo o Movimento Juntos Pelo Cercal, que lançou duas petições para dizer “Não à Central Fotovoltaica do Cercal do Alentejo”, uma na internet e outra em papel “para chegar à população mais idosa”, a Central será instalada “em terrenos agrícolas e em área de reserva agrícola protegida”.


A Central “vai afetar as atividades económicas que são o mote desta Região, como a agricultura e o turismo. São inúmeros os investimentos turísticos na Região que desaparecerão, porque a proximidade a campos de Centrais Fotovoltaicas, será fator inibidor de quem procura uma paisagem ambientalmente aprazível”, defendeu o Movimento cívico.


“Numa altura em que falamos em preservar a natureza, voltar à agricultura tradicional, conservar o ecossistema e a biodiversidade, vêm fazer um projeto que, em teoria”, por se tratar de energia solar, “é bom”, mas que acaba por estar “numa localização completamente errada”, apontou Vera Camarena.


O Movimento opõe-se ainda “à pressa” com que o processo “está a ser feito” e ao que consideram ser a falta de esclarecimento junto dos moradores, “sem haver uma análise e um estudo, com a participação da população e dos empresários que investiram” na zona.


O Alentejo “é uma Região com extrema falta de água e, por isso, queremos saber qual o impacto de um projeto destes nos recursos hídricos, no aumento da temperatura e ao nível de saúde pública”, questionou Vera Camarena, argumentando “não haver histórico relativamente a estas Centrais de grandes dimensões porque são uma coisa nova”.
Além de considerar que a Central vai gerar um “reduzido número” de postos de trabalho, o Movimento alertou para o nível de emissão de ruído e de gases durante o período de implementação do projeto e para o impacto do mesmo na paisagem alentejana, “que é a identidade cultural” da Região.


Por seu lado, o Presidente da Câmara de Santiago do Cacém, Álvaro Beijinha, disse estar a acompanhar “de forma tranquila” o processo, gerido pela APA, e lembrou que o pedido de licenciamento “ainda não deu entrada na Câmara” para “avaliar a proposta” e “perceber se pode ou não ser aprovada no âmbito do Plano Diretor Municipal”.
“O processo de licenciamento não entrou na Câmara, ou seja ainda não chegou o momento em que a Câmara vai avaliar e perceber se a proposta daquele projeto pode ou não ser aprovada no âmbito do PDM. Também já disse publicamente que não está no livre arbítrio da Câmara e muito menos do Presidente da Câmara Municipal aprovar ou rejeitar projetos pela sua opinião pessoal”, afirmou.


De acordo com o Autarca, o Município pronuncia-se no âmbito de um enquadramento legal, mas “esse momento ainda não chegou e nem sabemos se o projeto vai ser aprovado pela APA [Agência Portuguesa do Ambiente]”.
No âmbito do EIA, a Autarquia apresentou um parecer em que suscitou “um conjunto de reservas”, como a “proximidade” à Vila e “o abate de azinheiras e sobreiros”, a necessidade de “criação de cortinas arbóreas” para “minimizar o impacto ambiental”, acrescentou.


No entanto, Álvaro Beijinha criticou quem está “a tentar criar um ruído à volta” deste assunto e “a colocar um mau rótulo a Santiago do Cacém” lançando “dúvidas” sobre “potenciais investidores”, nomeadamente no setor do turismo que “podem já não vir” para este Concelho.


“Levantou-se um grande ruído à volta destas Centrais, inclusive com argumentos que não estão comprovados, como o aumento da temperatura e poluição nos solos e que estes projetos são muito nefastos do ponto de vista ambiental, e isto está a colocar um rótulo mau em Santiago do Cacém quando nem sabemos se estas cCntrais vão ser instaladas” neste território.


No entender do Autarca, caso a APA dê “luz verde” ao avanço do projeto, “tenho a certeza de que o dará com muitas condicionantes, como o afastamento da localidade do Cercal, das habitações, turismos e negócios”, por isso apela “à serenidade das pessoas”.


“Estamos a acompanhar o processo de forma tranquila. Compreendo algumas pessoas com investimentos turísticos que têm receios, mas não conheço situações em que ninguém vem passar férias para o Concelho porque vai ser construída uma Central Fotovoltaica”, concluiu.


Também a Associação ambientalista Zero “está extremamente preocupada” perante “uma artificialização do espaço rural para a instalação de equipamentos para a produção de energia”.


De acordo com Nuno Forner, o investimento da Cercal Power em “áreas que, neste momento, são utilizadas para agricultura e uma pequena percentagem para produção florestal” tem impacto junto de “algumas espécies com estatuto de conservação elevado”, como é o caso do “milhafre-real e da águia de Bonelli”, alertou.


São espécies que “estão muito dependentes destas áreas agrícolas para a sua alimentação e, em alguns casos, para a sua reprodução”, sublinhou o ambientalista, que criticou ainda a construção de uma LMAT “com mais de 20 quilómetros” por “atravessar áreas onde predominam zonas florestais”, o que implicará “corte significativo” de eucalipto, sobreiro e pinheiro.


A Zero criticou ainda a “falta de transparência” no processo de consulta pública “durante o qual a população não foi devidamente informada e esclarecida”.