LUCUBRAÇÕES À VOLTA DE UM ABRIL

CRÓNICA DA QUOTIDIANA VIVÊNCIA – José Manuel Claro

 1 – Ainda se ouvem os ecos das comemorações dos cinquenta anos do ’25 de Abril’, movimento militar que derrubou em 1974, um regime político assente em bases corroídas, e como que abriu aos Portugueses as portas do mundo, mundo no qual viviam ostracizados pelas posições políticas assumidas pelos governos de Salazar e Caetano, que até então tinham vigorado em Portugal.

Durante estas comemorações tentei reviver esses tempos, nos quais participei diretamente, ouvindo muita da programação ligada à informação radiofónica, aquela que, por mais desenvolvida à época, possui um portfólio mais rico, no que concerne ao registo da forma como se desenrolaram os factos.

Toda essa programação foi enriquecida com a audição dos personagens que intervieram diretamente nos atos ocorridos e cujas narrativas, aqui ou ali, tiveram o condão de me prenderem a atenção e, não raro, suscitarem uma reação íntima: «Como isto era… e como isto está!».

Não raras vezes, a narração dos factos ocorridos, sofre a influência direta do maior ou menor grau de literacia do entrevistado, e foi fácil de destrinçar o posicionamento político de cada um, nas diferentes programações a que tive acesso.

Agora, passada a espuma comemorativa e olhando para o que foram os diferentes atos a ela ligados, retive no meu consciente uma entrevista feita pela Maria Flôr Pedroso à Arquiteta Helena Roseta, personagem por demais conhecida na nossa sociedade, através das suas intervenções políticas ao longo de uma vasta carreira.

Certamente que a entrevistadora e a entrevistada não se ofenderão pelas referências que por aqui plasmarei, respigadas que foram do programa Serviço Público – Bloco de Notas, programa que foi para o ar na Antena 1.

 

2 – A história é, e sempre será feita, por pequenas estórias que depois de juntas e sistematizadas, transmitirão aos vindouros os conceitos que os ajudarão na escolha de caminhos, a serem seguidos pela sociedade na qual estão inseridos.

É dos livros e da vivência quotidiana, que um povo sem história, não tem futuro.

Mas, voltando àquelas pequenas estórias e conceitos expressos pela Arquiteta Helena Roseta, aquando da sua passagem pelo Largo do Carmo no dia da revolução: «… apareceram jornalistas estrangeiros com uns gravadores de bobines e começaram a tentar entrevistar os soldados que estavam deitados no chão com as G3 apontadas para o Quartel do Carmo. Desataram a fazer perguntas em catadupa, até que um dos soldados que presumi ser alentejano, a certa altura vira-se para o jornalista e solta a frase: “Porra, já não nos deixam fazer uma revolução em paz!”».

Outro pequeno episódio, relatado igualmente pela Arquiteta, prendeu-se com as deambulações do Augusto Cid, o cartoonista e artista plástico, ali pelos lados da Graça, que, ao acercar-se da porta do quartel perguntou a um sentinela fechado no seu interior: «Vocês de que lado estão?», obtendo como resposta imediata: «Por enquanto, do lado de dentro».

Igualmente, a Arquiteta referiu, a certa altura da entrevista, um comentário da ama das suas filhas, “uma senhora idosa, alentejana e que era sábia”, no seu conceito: «Então Dª Catarina, o que pensa destas nacionalizações da banca? Olhe menina eu não percebo nada disso, mas uma coisa feita às três da manhã, não deve ser coisa boa».

São pequenos episódios como este que retratam fielmente a matriz do ’25 de Abril’ que vivemos de 1974 e dos tempos que se lhe seguiram.

 

3 – Efetivamente o ‘25 de Abril’ é e será sempre, um conjunto de estórias que entroncam na estrutura dorsal do nosso País. Será sempre uma data aberta, porque na sua génese contém o futuro, a mola do progresso e desenvolvimento da nossa sociedade, tempo do qual só se poderá fazer a história, quando ele for passado.

Aliás, foi nesta entrevista que, mais uma vez, ouvimos o conceito de que o século vinte, para Portugal, começou com a Revolução dos Cravos o que, segundo a entrevistada, justifica o atraso de 74 anos com que nós chegámos a um dos séculos mais progressivos da história do mundo. Olhando em frente, podemos ver os horizontes que se despontam para este Portugal, a cada dia que passa e, como alguém disse: «o caminho faz-se caminhando».

Vamos a isto… andemos em frente porque atrás vem gente!