“Estou onde faço falta”

Ana Chainho

Ana Chainho Por Ana Chainho, em Abu Dhabi

No outro dia acordei a meio da noite e não sabia onde estava. Desde 2003 que isto não me acontecia. Nesse verão, a fazer um inter-rail pela Europa com amigas, a mudança de cidades era constante e acordava muitas vezes a pensar “Estou em Roma ou em Veneza? Em Paris ou Nice?”.

Desta vez a resposta foi mais rápida, ouvi o meu filho chamar e pensei “Estou onde faço falta”. Emigrar tem destas coisas. O cérebro prega-nos partidas.

Antes de vir, lembro-me de pensar que ia viver numa cidade nova, fora da Europa e ainda por cima com costumes e uma religião diferentes. No entanto, nada disso tem feito grande mossa, muito pelo contrário, tem proporcionado umas boas gargalhadas.

Por exemplo, no outro dia, durante o Ramadão, quando os horários das lojas mudaram, e eu dei com o nariz na porta do supermercado. Ou quando me esqueço que aqui a sexta-feira é o dia de descanso semanal e o domingo equivale à segunda-feira, e depois nunca sei a quantas ando. Ou quando me sai um “obrigada!” depois de me segurarem a porta para passar e eu corrigir logo de seguida com “thank you” e às tantas há uma conversa sobre a minha proveniência, que acaba, invariavelmente, comigo a dizer a frase do costume “Yes Portugal, yes Cristiano Ronaldo!”.

Ou até quando eu e o meu filho partilhamos o elevador com alguma vizinha Emirati, que usa o véu da abaya, e eu vejo pelas gargalhadas dele que ele acha que ela está a jogar às escondidas, tal como ele faz com o cortinado translúcido da nossa sala. As vizinhas, por sua vez, riem-se deliciadas com a alegria dele e tentam repetir o seu nome, sem sucesso algum.

O artigo completo na edição em papel de 05 de Setembro de 2014, n.º 630