Memórias – A Revolução de 25 de Abril de 1974 e o Poder Local

Francisco do Ó Pacheco

Alguns acham que o 25 de Abril foi apenas um golpe militar para pôr fim à guerra colonial e outros, em que me incluo, que pensam que o levantamento popular que imediatamente acompanhou o Movimento dos Capitães quis ir muito mais além, isto é, ao desmantelamento do aparelho fascista e à construção de uma democracia avançada que eliminasse os velhos monopólios e latifúndios que suportaram o regime durante quase meio século e dessem ao povo o bem-estar a que tinha direito. Aliás, o próprio programa do Movimento das Forças Armadas – MFA, preconizava políticas económicas e sociais que rompessem com o atraso secular em que a nação se encontrava. Digamos que à liberdade, à paz e ao fim da guerra preconizada pelos militares se acrescentaram as exigências populares de melhores salários e rendimentos, habitações condignas para todos os extratos sociais, melhores serviços públicos de saúde e educação, apoios justos a idosos e crianças.

O Poder Local fascista era apenas uma extensão do Poder Central onde os Autarcas eram escolhidos pelo Ministério da tutela via Governos Civis, que apenas exigia fidelidade ao regime e significativo reconhecimento popular. A primeira grande tarefa da revolução foi o desmantelamento do aparelho fascista em toda a sua extensão o que obrigou, no que ao Poder Local respeita, à demissão de todos os executivos municipais provenientes do anterior regime e a sua substituição por novos executivos compostos por reconhecidos democratas através de actos eleitorais simples. Foi o que também sucedeu em Sines quando em Junho de 1974 o povo foi chamado a votar uma lista de cidadãos, das mais diversas sensibilidades políticas, de que resultaria a primeira Comissão Administrativa da Democracia. E quando os novos Autarcas olharam à sua volta tudo faltava – creches, infantários, escolas, centros de saúde, habitação, estradas, electrificação urbana e rural, equipamentos colectivos, e particularmente em Sines e em Santiago do Cacém, ainda faltavam os poderes municipais que lhes haviam sido usurpados pelo então GAS – Gabinete da Area de Sines, quando da sua criação por Marcelo Caetano, em 1971.

As frentes de luta eram muitas. A recuperação dos poderes municipais, que viriam a ser retomados, em parte, por legislação publicada em Fevereiro de 1975 pelo governo de Vasco Gonçalves; a exigência aos dirigentes do GAS que mantivessem a população informada das suas acções, até então envoltas em secretismo, o que seria imposto também pelo governo já referido; o acolhimento de obras municipais mais significativas pelo orçamento do GAS e a execução pelo Municipio de obras que os seus recursos estariam em condições de suportar. Tudo isto, para além da apresentação de programas a entidades do Estado, como foi o caso de Fundo de Fomento da Habitação para a edificação de várias dezenas de novos fogos e ao GCOM – Gabinete Coordenador de Obras Municipais, em Setúbal, onde seriam apresentados vários projectos.

A Comissão Administrativa manter-se-ia em funções até à realização das primeiras eleições autárquicas da democracia que tiveram lugar em 12 de Dezembro de 1976. E o novo quadro legal autárquico só viu o diploma de atribuições e competências do poder local democrático em Outubro de 1977 e a nova lei das Finanças Municipais em 1 de Janeiro de 1979. Até então tinha sido o código administrativo de Marcelo Caetano, apesar dos novos tempos, ainda a travar o desenvolvimento municipal.

Francisco do Ó Pacheco

 

NR: Francisco do Ó Pacheco, bancário, foi Presidente da Câmara Municipal de Sines, desde 1976 e esteve à frente do Município 21anos, seis mandatos consecutivos 1976-1997; também foi Presidente da Assembleia Municipal de Sines 1997-2009. Jornalista e Diretor do jornal Diário do Alentejo. É Escritor com onze obras publicadas no campo da poesia, crónica, conto e romance.