MEMÓRIAS – 25 DE ABRIL – “Foi aprender todos os dias com as populações”

 António de Jesus Figueira Mendes

Tive o grato privilégio de ter integrado a Comissão Democrática Administrativa do Município de Grândola. A Comissão foi eleita de forma revolucionária num Plenário realizado no antigo Campo de Futebol com a participação de mais de um milhar de grandolenses. De entre os sete elementos eleitos foi então decidido que seria eu a presidir à Comissão.

Foi uma experiência única. Foi a mais bela e frutuosa experiência da minha vida. Foi aprender todos os dias com as populações. Com aqueles que até ali não tinham voz, não participavam na construção do seu destino, não podiam proclamar as suas necessidades e os seus anseios. Foi o brotar de Comissões de Moradores em cada Bairro e às vezes em cada rua. Foram os camponeses a ocupar as propriedades a constituírem as Cooperativas e a construir a Reforma Agrária. E todas estas estruturas populares vinham bater à porta da Câmara reivindicando e pedindo ajuda. A ocupação de casas foi igualmente um processo complexo, muito difícil de lidar na altura, mas igualmente apaixonante.

Reuniões de Câmara até altas horas da madrugada. Sim porque de dia todos tínhamos que trabalhar! O Concelho de Grândola tem mais de 800Km2, com várias escolas rurais e montes completamente isolados; em abril de 1974 o acesso só era possível de bicicleta ou de carroça. Para as Ambulâncias ou para os carros dos Bombeiros era impossível aceder a esses locais para prestarem qualquer tipo de socorro.

E aí começou uma das maiores ações levadas a cabo naquela época. Foi o rasgar de caminhos pela Charneca e pela Serra, permitindo uma ligação entre a sede do Concelho ou entre a aldeia mais próxima, abrindo horizontes e acessibilidade a serviços que até então lhes estavam completamente vedados.

Mas tão importante como a construção dos caminhos em si, foi o processo que de forma espontânea se desenvolveu para atingir aquele fim. Foi um alargado movimento popular que se criou e do qual a Câmara era apenas uma peça. Os trabalhos decorriam na maior parte das vezes aos fins de semana. Ia a máquina da Câmara e o trator (porque na altura era o que havia) e depois eram os populares com os seus tratores, as suas enxadas e pás e os trabalhos eram feitos com alegria e com paixão. Concluído um caminho era sempre a festa com manjar comunitário no final com palmas e muitas vezes lágrimas.

Toda esta solidariedade se foi multiplicando pelo Concelho, e quando foram as primeiras eleições autárquicas os problemas do isolamento estavam resolvidos. Enfim, este foi apenas um dos muitos exemplos dessa experiência maravilhosa, dessa escola da democracia e da aprendizagem política que foram as Comissões Administrativas.

António Figueira Mendes

 

NR: António Figueira Mendes, Gestor, foi eleito Presidente da Comissão Democrática Administrativa da Câmara Municipal de Grândola em 1974. Em 1976 foi eleito Presidente da Câmara Municipal de Grândola, cargo que desempenhou até 1989. Em 1989 foi eleito Presidente da Assembleia Municipal de Grândola. Atualmente, é Presidente da Câmara Municipal de Grândola, tendo sido reeleito para um terceiro mandato nas eleições autárquicas de 2021 pela CDU. Foi Presidente de várias Associações e muito mais cargos.