Pedimos Desculpa…

CRÓNICA DA QUOTIDIANA VIVÊNCIA

José Manuel Claro

1 – Por esta interrupção, a programação segue dentro de momentos. No imediato surgia nos écrans a famosíssima mira técnica, toda ela cinzentona e que por lá se mantinha até que, num rebuliço, com os técnicos primeiramente tentando descobrir a origem da falha do sinal, e de seguida repondo a emissão no ar.

Nem queiram saber, quantas úlceras de origem nervosa, nos primórdios das emissões da televisão em Portugal, surgiram no organismo daqueles pioneiros que de uma forma apaixonada, desbravaram os televisivos caminhos que tiveram de ser percorridos até aos dias de hoje.

Toda esta azáfama, reencontrei na vida política portuguesa, por estes dias, quando a Procuradoria-Geral da República, resolveu fazer umas averiguações e lavrou umas acusações sobre os comportamentos de alguns governantes que indiciavam ilícitos criminais, no desenvolvimento da sua esfera de intervenção. Entre os averiguados, estava o Primeiro-Ministro.

Em vésperas da aprovação do Orçamento de Estado para o próximo ano, com toda a oposição agarrada a um pequeno naco de carne chamado de IUC e pouco mais, o desenrolar das ações do Ministério Público, caíram que nem uma bomba num campo minado.

De repente parou tudo e ficaram todos imóveis sem saberem o que fazer, para onde se encaminharem, ou que rumo tomar.

 

2 – Talvez aproveitando o Inquérito Parlamentar à TAP, os atores intervenientes, trataram de arranjar uns prelúdios que ocupassem a atenção dos espetadores, enquanto certamente arranjariam solução para os danos originados pela avaria no percurso.

O Presidente da República, chamou logo ao Palácio de Belém, os líderes dos Partidos com assento Parlamentar, tentando ouvi-los sobre hipotéticas saídas para a crise instalada.

Por obrigação legal, convocou um Conselho de Estado, para ouvir daqueles que já haviam vivido algo semelhante, umas indicações que fizessem luz sobre qual o caminho a seguir, e já na posse da informação julgada necessária, convocou os órgãos de Comunicação Social para comunicar ao País, o caminho pelo qual optou e tendente à resolução da crise.

Assente que ficou o modo como se desenrolariam as diferentes fases do processo, começou a representação mediática, com a divulgação de mais uns casos e casinhos, que nos irão entreter até à reposição da emissão, talvez lá para meados de março do próximo ano.

O pontapé de saída foi dado pelo Primeiro-Ministro na comunicação que fez ao País, ao jeito de ‘então adeusinho… vamo-nos vendo por aí… quando eu cá estiver’.

Ao tempo em que esta crónica está a ser redigida, já sabemos que os arguidos detidos foram todos soltos, uns quantos passaportes foram entregues na polícia e uma pequeníssima fiança terá de ser paga por um deles, e aqui é que reside a minha dúvida… paga por quem?

 

3 – Evidentemente que, quando o jornalista começou a dedilhar esta crónica se comprometeu com ele próprio a não fazer humor com a sua própria desgraça que, por sinal, é derivada da desgraça onde o próprio Pais se atolou.

Apesar disso, muito dificilmente conseguiria tornear o episódio daquele Chefe de Gabinete do Primeiro-Ministro, pessoa batida na gestão de gabinetes daquele tipo, e talvez deva aqui lembrar que já o fora aquando da passagem do engenheiro José Sócrates por pasta ministerial idêntica.

Pois o nosso Chefe de Gabinete, interpusera entre as páginas dos livros existentes no gabinete, certamente para marcar o evoluir das leituras, uns separadores originais que, depois de somados pelas autoridades que passaram aquilo a pente fino, totalizaram uns lustrosos setenta e cinco mil e oitocentos euros!

Aqui chegado, olhei para as estantes que envolvem a minha biblioteca, local onde redigi a presente crónica e, como que pedi desculpa às centenas de livros que lá repousam, por nunca os ter tratado com tão preciosos mimos, apenas usando como marcadores, aqueles que vou trazendo da Biblioteca Municipal, quando por lá passo.

Já agora, se ninguém se arvora dono daquele pecúlio, dou um passo em frente e grito: “É meu!”.

Já quando ao senhor Primeiro-Ministro, confirmou-se o aventado aquando das eleições que lhe deram maioria, e que apontavam que não levaria o consulado até ao fim, rumando a um emprego mais bem remunerado em 2024, numa instância internacional, tendo nestes dois últimos anos, desenvolvido uma atividade intensa de promoção da sua imagem além-fronteiras nem que, para isso, tivesse de mergulhar o País em mais uma crise política e efeitos colaterais difíceis de serem previstos.

Como canta Sérgio Godinho, ‘Isto anda tudo ligado’.

José Manuel Claro