“Estamos a viver outro tipo de pandemia”

Miguel Costa

A inflação aumentou, o poder de compra diminui e as necessidades básicas ficaram para trás

O jornal O’Leme deslocou-se a alguns comércios locais das regiões de Santiago do Cacém, Vila Nova de Santo André e Sines e esteve à conversa com os comerciantes para saber qual foi a realidade, durante o ano 2023, de alguns serviços que representam o Litoral Alentejano.

“Comparado à pandemia, o negócio está muito fraco”, foi a mensagem mais vezes ouvida pelos comerciantes locais. Sandra Ferreira, proprietária do «Kiosque das Descobertas» confessa que vive momentos de precaução “face ao que possa acontecer” e no próximo ano não se avizinham novos moldes.

Em 2022, Portugal foi o sétimo país com menor Produto Interno Bruto (PIB) per capita expresso em paridade de poder de compra da União Europeia (UE), segundo os dados divulgados do Eurostat e este ano a tendência é descer de posição, algo que os próprios comerciantes já sentem nas suas casas.

A inflação aumentou, o poder de compra diminui e as necessidades básicas ficaram para trás. João Mendonça, do Centro Óptico de Vila Nova de Santo André, esteve à conversa com o Jornal O´Leme e disse que “as pessoas adiam a substituição de lentes, ou seja, o tratamento dos olhos, o máximo possível e quando vêm comprar querem o mais barato que estiver à venda”. Outro testemunho parte do proprietário do «Talhos do Albano» que afirma que a pergunta mais frequente é “quanto é que já tenho aí?”, uma realidade que é cada vez mais notória, em todos os setores.

Com estes entraves os comércios, principalmente os locais, não vivem os melhores dias, havendo a necessidade de fazer cortes em fornecedores. Apesar de “algumas pessoas se terem habituado a comprar por aqui”, de acordo com o proprietário da loja de vestuário «Nelbet», Nélson Sérgio garante que a venda não aumentou e Ana Paula Santos, proprietária da papelaria «Manuel dos Jornais», afirma ser “necessário ter algum cuidado com as despesas, com as compras a fornecedores e com a gestão de stock”, apostando na “redução dos gastos”.

Apesar deste ano não ter sido o “mais famoso, a população do Litoral Alentejano não deita a toalha ao chão”, mas realça que as notícias nos meios de comunicação deixam, aos olhos de Sandra Ferreira, “as pessoas assustadas e ainda mais retraídas nos gastos”. A esperança dos comerciantes em manter o negócio intacto passa pela “fidelidade do cliente ao longo do ano” mas acima de tudo pela “boa gestão”, com “produtos de qualidade”, apostando sempre no que é local para, segundo Albano, “aguentar o barco”.

O Natal, que também é sinónimo de esperança, vem alegrar um pouco os negócios. Luís Torres, proprietário do «Bar Número 6», garante que esta é “uma época muito especial e uma altura de festividade onde há um pico em termos de faturação”, garante Sandra Ferreira e Ana Paula Santos. Outros comércios aliam-se à Associação de Comércio, Indústria, Serviços e Turismo do Distrito de Setúbal (ACISTDS) que possibilita a população que “consume produtos do comércio local a se habilitar a ganhar «prémios», sendo esta uma forma de fomentar e dinamizar as lojas”.

Um ano que, para muitos, fica registado como uma má memória face à crise que Portugal vive. Um 2023 que, com certeza, não deixará saudade e um 2024 ainda incerto. Quem mais sofre é a população e, consequentemente, quem precisa do poder de compra para viver. Contudo, frases como “uns dias são melhores que os outros”, “o caminho faz-se caminhando” e “o que importa é não despedir ninguém”, marcam esta reportagem como sinal de que o comércio local nunca acabará enquanto houver esperança.

Leme 842