O Decreto-Lei n.º 80/2022 de 25 de novembro – Vai ter implicações diretas na gestão urbanística da Freguesia de Santo André

Ler o Diário da República (DR) dá sono. A escrita técnica e monótona não estimula o cérebro do leitor. Todavia, não é essa a função do DR. Nos termos da Constituição, o Diário da República é o jornal oficial de Portugal. É nele que são publicados os atos legislativos e administrativos em geral, e que só com a sua publicação adquirem validade. Apesar de não ser uma leitura prazerosa, é importante que o façamos para estarmos mais informados.

Este artigo visa analisar o conteúdo do Decreto-Lei n.º 80/2022. E o que é que este Decreto-Lei tem de tão especial para ser para aqui chamado? Porque, no meu entender, vai ter implicações diretas na gestão urbanística da Freguesia de Santo André e, por conseguinte, no futuro de toda esta região do litoral alentejano.

A sério? Sim, mas vamos por partes …

Em termos sumários, este Decreto-Lei procede à transferência de imóveis do Estado para a IAPMEI — Agência para a Competitividade e Inovação, I. P. (IAPMEI), com vista à implementação de projetos de interesse estratégico para a economia nacional.

Como é do conhecimento de todos, o Gabinete da Área de Sines (GAS) foi a entidade responsável pela implementação do Projeto Industrial de Sines nas décadas de 70 e 80, tendo, para o efeito, sido expropriados 41 mil hectares. Estima-se que 60% destes terrenos não tenham tido o destino previsto.

Da análise deste Decreto-Lei (ver link infra) resulta uma primeira conclusão: as coisas vão finalmente começar a mexer! O património imobiliário herdado do GAS está de “piquete” para as eventuais necessidades que se avizinham com a implementação dos vários projetos industriais já anunciados. As expectativas face a estas futuras necessidades estão bem vincadas no referido Decreto-lei, a saber:

Os novos projetos industriais estratégicos para a economia nacional em curso e em perspetiva na área de Sines (…) excedem a área disponível na zona industrial e logística de Sines, carecendo da área sobrante do respetivo plano de urbanização (…). Estas necessidades tornam urgente a reafetação de terrenos, visando um melhor planeamento e ajustamento do território às necessidades e perspetivas de investimento privado produtivo a curto e médio prazo.

 

Com a publicação deste Decreto-Lei o Estado pretende, entre outras coisas, definir as condições de transferência dos bens imóveis do Estado para o património do IAPMEI. Esta agência ficará, assim, responsável pela gestão dos direitos de propriedade da vasta carteira de imóveis listados no anexo desse Decreto-Lei. Para além do destino anunciado para estes, ou seja, novos projetos logísticos, energéticos, industriais e de telecomunicações ou outros de interesse estratégico para a economia nacional, é igualmente feita referência (cfr. artigo 6.º) aos imóveis que estejam em uso habitacional ou que possam ser afetados a esse uso. Com efeito, este Decreto-Lei estipula um prazo de 12 meses para o IAPMEI inventariar, dentro da lista de imóveis disponíveis no referido anexo, os que estão em uso habitacional ou que possam ser afetados a esse uso. Caberá depois ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P. (HRU), identificar e propor aqueles que podem integrar a bolsa de imóveis públicos para habitação. Sublinhe-se que estes imóveis poderão incluir os que estão em uso habitacional, bem como os devolutos ou disponíveis, incluindo terrenos, cujas condições e características permitam a sua afetação àquele uso, diretamente ou mediante processo de reconversão ou de construção (cfr. n.º 2 do artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 82/2020, de 2 de outubro).

Esta última frase é muito importante! Ela pormenoriza o tipo de imóveis que poderão integrar a bolsa de imóveis do Estado para fins habitacionais. Por outras palavras, sendo feita a referência a imóveis em uso, que estejam devolutos ou que, não estando ocupados, estão disponíveis, incluindo também terrenos (urbanos ou não urbanos), abre o espectro a infinitas possibilidades dentro do perímetro da Freguesia de Santo André.

Assim se conclui que os imóveis listados no já referido anexo poderão ser utilizados para (i) projetos industriais ou (ii) imóveis para habitação. No caso concreto da Freguesia de Santo André, e uma vez que a lista dos prédios e parcelas indicados no anexo abrange também outras duas freguesias (União de Freguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra e a Freguesia de Sines), não é expectável que venhamos a receber projetos de cariz industrial. Nesta medida, julgo ser de prever que o sector habitacional de Santo André venha a sofrer um conjunto de mudanças significativas. E num contexto de escassez de habitação para residentes, é fundamental que o Estado entre no “negócio” enquanto elemento regulador desta atividade económica.

Será que vamos assistir a um renascimento das politicas públicas adotadas no arranque do Complexo Industrial de Sines, que observavam o binómio Emprego/Habitação como determinantes para a qualidade de vida das pessoas!? Esperemos que sim!!!

Vamos estar atentos! O prazo para o IAPMEI executar esta tarefa termina no dia 26 de novembro, ou seja, já no próximo mês!

Bertolino Campaniço

Leme 840

Nota: caso pretenda ter acesso ao mapa completo dos terrenos da Freguesia de Santo André que estão identificados neste Decreto-Lei, basta enviar email para bertolinoc@gmail.com.

Link Decreto-Lei: https://files.dre.pt/1s/2022/11/22800/0000300012.pdf