SACUDIDELAS DA VIDA…

CRÓNICA DA QUOTIDIANA VIVÊNCIA – José Manuel Claro

 1 – Passamos a nossa existência a lutar por um tipo de vida estável, que nos permita uma acalmia no quotidiano, e igualmente, criando as condições necessárias para levarmos o barco, o nosso barco da vida, a bom porto.

Passa-se com todo o ser humano, em qualquer parte do mundo, é o espírito que nos norteia a todos e que é o principal motor dos movimentos migrantes que se registam um pouco por todo o lado.

Tudo isto é feito duma forma mecânica, quase que diria autómata.

Neste longo, e nem sempre fácil caminhar pela vida, somos, por vezes surpreendidos pelas forças da natureza que, de uma forma violenta, como que travam o livre curso de uma existência que queremos pautada pelos parâmetros com que sempre sonhamos.

Os últimos exemplos de que tivemos notícia, foi o terramoto ocorrido na região de Marraquexe-Safim, no passado dia 8 de setembro, e cujo sinal mais negativo, já contabiliza mais de três mil mortos e um número superior a cinco mil feridos, e a tudo isto acrescentaremos  os estragos da tempestade Daniel no território líbio, que já apresenta um cenário muito superior quanto a tragédia humana.

As reações das populações flageladas, são de uma enorme resignação perante o ocorrido e, nalgumas entrevistas, não raro foi ouvirmos: «Foi Alá que assim o quis».

Como poderá um Deus de uma religião monoteísta, ou de qualquer outra filosofia, querer tanto mal aos seus devotos seguidores? Torna-se evidente que não foi Alá que assim o quis.

 

2 – Teremos de recuar aos primórdios civilizacionais para encontrarmos as raízes de tal comportamento humano nos nossos dias.

O homem era um ser pagão, amava e tinha respeito pelas forças da natureza que, à sua maneira, venerava, por considerá-las superiores e, como tal, indomáveis – a água, o ar, o fogo e o sol.

A humanidade foi evoluindo, com as adorações, as crenças, mas tudo baseado no desconhecimento do que ficara para trás de si, facto que, por um qualquer motivo, não lhe chegou explícito aos dias da sua vivência, e que as religiões aproveitaram para, em relação a esse desconhecimento, profetizarem que foi um Deus.

Com o surgimento das religiões politeístas e mais tarde as monoteístas, principais responsáveis pela consideração da existência de um Deus único, responsável por tudo o que se tornou inexplicável para o homem, foi-se culturalmente inculcando no espírito de cada um que, aquilo que não conseguimos de uma forma imediatista explicar, será de origem Divina.

Pessoalmente temos sérias reservas a essa justificação, e bastará olharmos para a evolução da astrofísica, para ser previsível e mais justificada a evolução da vida e o sucedâneo daquilo a que chamamos de catástrofes e que já, em tempos idos, muito idos mesmo, atingiram a nossa e outras espécies que, à época, eram dominantes.

 

3 – A hidrosfera, com o avanço e recuo dos mares, a configuração da litosfera, a composição da atmosfera, ao longo da história do planeta, vêm registando evoluções que, já está provado, sendo cíclicas e alheias ao comportamento humano, interferem fortemente no evoluir das espécies.

Mas, voltando aos dias de hoje e sempre que há uma catástrofe lá ouvimos as palavras desesperadas dos sobreviventes, referindo-se a um Deus omnipotente e omnipresente, que a todos fustiga.

Ouvimo-lo igualmente das vozes do povo açoriano em 1980 e em 1998, aquando de dois grandes sismos que fustigaram o Arquipélago e voltámos a ouvi-lo dos Magrebinos e dos Líbios, recentemente.

Resignação? Provavelmente sê-lo-á, ou talvez seja uma busca de uma justificação espiritual, perante a impotência sentida face às inclemências que os fustigaram, mas muito teríamos a ganhar se de uma vez por todas não colocássemos um rótulo divino naquilo que de mal nos vai acontecendo e vindo da natureza.

Talvez, então, olhássemos o mundo em que vivemos de uma maneira diferente, víssemos o nosso semelhante como uma parte de nós, e assim excluiríamos, por exemplo, os senhores da guerra.

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