Presidente da Câmara de Sines sai em liberdade e sem acusações depois de seis dias detido

Quando o sol nasceu, na terça-feira, 07 de novembro, a população de Sines estava longe de perceber que iria mergulhar numa das piores semanas de que há memória. Às primeiras horas da manhã seria divulgada a detenção do Presidente da Câmara Municipal de Sines e a presença das autoridades policiais no interior do edifício da Câmara Municipal de Sines.

Começava assim a Operação Influencer no âmbito de uma investigação sobre os negócios do lítio, em Montalegre, do hidrogénio verde e do Centro de Dados que a empresa Start Campus está a construir, em Sines.

Seis dias depois da sua detenção, o Juiz do Tribunal de Instrução Criminal decidiu aplicar a Nuno Mascarenhas o Termo de Identidade e Residência (TIR), a medida de coação menos gravosa referindo que “não se mostra indiciada a prática pelo mesmo de qualquer ilícito criminal”.

Fazemos nesta edição o passo a passo dos acontecimentos:

As diligências na Câmara Municipal de Sines

As diligências no edifício da Câmara decorreram ao longo de todo o dia 7 de novembro e só terminaram noite dentro, com a detenção do Presidente da Câmara Municipal de Sines, de dois Administradores da Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, do Chefe de Gabinete do Primeiro-Ministro, António Costa, Vítor Escária, e do Consultor Diogo Lacerda Machado.

Esta investigação levou ao pedido de demissão do Primeiro-Ministro, António Costa, após o Ministério Público revelar que é alvo de investigação autónoma do Supremo Tribunal de Justiça sobre este assunto.

Num comunicado, a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmou que as detenções dos cinco arguidos se justificavam por se verificarem “os perigos de fuga, de continuação de atividade criminosa, de perturbação do inquérito e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas”.

No mesmo dia, a empresa Start Campus confirmou ter sido alvo de uma operação de buscas nas suas instalações, em Lisboa, no âmbito da investigação do Ministério Público.

Num comunicado oficial, a empresa responsável pela construção do Centro de Dados SINES 4.0 garantiu estar “a cooperar com as autoridades, fornecendo todas as informações necessárias e solicitadas, para garantir uma investigação completa e imparcial de todos os factos necessários”.

E reafirmou “o seu total compromisso com a transparência, legalidade e integridade de todas as suas operações e em todas as fases do desenvolvimento do seu investimento em Portugal, assegurando que continuará as suas operações e investimento em Portugal”.

Ao todo, foram realizadas sob a direção do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) 17 buscas domiciliárias, cinco buscas em escritório e domicílio de advogado e 20 buscas não domiciliárias, nomeadamente, em espaços utilizados pelo Chefe do Gabinete do Primeiro-Ministro; no Ministério do Ambiente e da Ação Climática; no Ministério das Infraestruturas e na Secretaria de Estado da Energia e Clima; na Câmara Municipal de Sines e na sede de outras entidades públicas e de empresas.

Câmara de Sines colaborante com autoridades judiciais

Num breve comunicado, publicado na sua página oficial na internet, um dia após a detenção do socialista Nuno Mascarenhas, a Câmara de Sines disse estar a colaborar com a investigação judicial a negócios ligados ao lítio, hidrogénio e Centro de Dados.

Na nota, o Município confirmou que “foram realizadas diligências judiciais” na sequência da investigação em curso denominada Operação Influencer.

“O Vice-Presidente da Câmara Municipal de Sines confirma que (…) foram realizadas diligências nesta Autarquia pelas autoridades judiciais competentes”, lê-se na nota.

No comunicado, a Autarquia referiu que “se mantém colaborante com a investigação”.

De acordo com o Vice-Presidente, Fernando Ramos, as diligências de busca no edifício principal da Câmara “decorreram até às 20:30” de terça-feira, tendo abrangido ainda outros serviços da Autarquia.

“As diligências foram sempre acompanhadas pelo Presidente Nuno Mascarenhas”, detido no âmbito da operação, “e com o apoio de todos os serviços solicitados”, argumentou.

De acordo com Fernando Ramos, “a Câmara esteve encerrada ao longo do dia, mas voltou hoje à normalidade e ao seu regular funcionamento”.

O Ministério Público (MP) constituiu ainda como arguidos o Ex-Ministro das Infraestruturas João Galamba e o Presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Nuno Lacasta.

Nuno Mascarenhas suspeito de favorecimentos a empresa Start Campus

Segundo o Ministério Público, a detenção do Presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas, no âmbito da ‘Operação Influencer’, diz respeito a alegados favorecimentos no licenciamento urbanístico do megacentro de dados da Start Campus.

De acordo com o despacho de indiciação, que o jornal O Leme teve acesso, em conjunto com Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, Administradores da Start Campus, e Diogo Lacerda Machado, o Presidente da Câmara Municipal de Sines (CMS), Nuno Mascarenhas, determinou a diversos funcionários da Autarquia a adequarem os procedimentos administrativos envolvendo a Start Campus ao plano que previamente os quatro delinearam, desde logo maior celeridade ao processo.

A investigação refere que o Autarca violou as normas de apreciação de procedimentos administrativos que bem conhecia e estava obrigado a respeitar.

“Aproveitando-se das funções exercidas como Presidente da CMS, efetivou tal pressão sobre as pessoas e entidades que, na sua dependência, exerciam competências em matéria de ordenamento do território, designadamente a Vereadora Filipa Faria e a Chefe de Divisão, Maria de Fátima Matos”.

Segundo os Procuradores, no desenvolvimento dos procedimentos urbanísticos, relativos ao Plano de Urbanismo da Zona Industrial e Logística de Sines (PUZILS), os detidos Afonso Salema e Rui Oliveira Neves intercederam junto de Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária, para pressionar Nuno Mascarenhas a fim de este “conferir andamento célere e favorável, ainda que ilícito, às diversas pretensões em curso na Câmara relativas aos interesses da Start Campus”.

Esta pressão devia-se a “vicissitudes e delongas desfavoráveis aos interesses da Start Campus”, referem.

Segundo o Ministério Público, “desde o início do projeto e com maior incidência a partir de 2022 — designadamente após a dispensa de AIA [Avaliação de Impacto Ambiental] do “NEST”, os arguidos Afonso Salema, Rui Oliveira Neves e Diogo Lacerda Machado, com o apoio de Vítor Escária, contactaram reiteradamente Nuno Mascarenhas e pressionaram-no no sentido de este conferir andamento célere e favorável, ainda que ilícito, às diversas pretensões em curso na Câmara Municipal de Sines, relativas aos interesses” da empresa Start Campus.

Em troca, referem os Procuradores, o Autarca terá pedido diversos apoios com o objetivo de “alcançar proveitos económicos indevidos para entidades, eventos e projetos sociais da Câmara a que presidia e, consequentemente, vantagens para si (enquanto Autarca)”.

As vantagens solicitadas pelo arguido Nuno Mascarenhas e aceites pelos arguidos Diogo Lacerda Machado, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves “consistiram na entrega de uma quantia de cinco mil euros à CMS a título de patrocínio da Start Campus ao Festival Músicas do Mundo, em Sines, e a entrega de uma quantia de valor não apurado, mas necessariamente não meramente simbólica e superior a cem euros, às equipas de futebol jovem do Clube de Futebol Vasco da Gama de Sines”, refere o despacho.

O Presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas, que foi ouvido dois dias depois da detenção, estava indiciado de dois crimes, um de corrupção passiva e outro de prevaricação.

No mesmo dia, o advogado do Administrador da Start Campus, Afonso Salema, anunciou a renúncia ao cargo na empresa.

Oposição na Câmara de Sines surpreendida com detenção de Autarca

Os Vereadores da oposição na Câmara de Sines manifestaram surpresa com a detenção do Presidente Nuno Mascarenhas, revelaram preocupação com “o impacto” que a investigação judicial poderá ter sobre os investimentos em Sines.

“Foi com surpresa, mas, nesta fase, e no que concerne ao Presidente da Câmara, aconselhamos alguma serenidade para perceber, primeiro, o que consta da acusação e qual a verdadeira envolvência, para podermos tomar uma posição mais formal sobre o caso”, disse António Braz, um dos dois Vereadores eleitos pelo Movimento de cidadãos MAISines.

O Autarca, que representa um Movimento Independente de Cidadãos eleito nas últimas eleições autárquicas, lamentou “o impacto que esta investigação judicial tem sobre os investimentos em Sines”.

“Há aqui um conjunto de investimentos que se projetavam para Sines que pode ter um ‘delay’ em termos temporais ou ficar comprometido”, argumentou.

Também o Vereador da CDU, Jaime Cáceres, disse estar surpreendido com a detenção de Nuno Mascarenhas, a cumprir o terceiro e último mandato na Autarquia de Sines.

“Vejo com surpresa, muita surpresa, porque não sabemos quais os motivos que levaram à detenção do Autarca e, por isso, não podemos emitir opiniões”, afirmou.

No entanto, o eleito comunista lembrou que sempre votou “contra todas as pretensões” apresentadas em reunião de Câmara relacionadas com “o hidrogénio verde, o metanol e eletrólise”, mesmo que, por se tratarem de Projetos de Interesse Nacional (PIN), os pareceres não sejam vinculativos.

“Faltava muita informação nesses projetos, como as questões do armazenamento, do transporte, dos ‘pipelines’, como a segurança da cidade de Sines, se os projetos servem só para alimentar as fábricas ou a dessalinização da água”, especificou.

Segundo o Vereador da CDU, “o projeto do Data Center da Start Campu foi anterior” à sua tomada de posse.

O Vereador do Movimento MAISines, António Braz, reiterou que, em matéria de aprovação dos projetos, o Município “não tem um papel decisório”.

“Espero que o mais rapidamente possível o Presidente da Câmara de Sines possa clarificar porque é que esteve envolvido, porque a realidade é que, em 50 anos de poder local democrático, isto nunca tinha sucedido em Sines”, vincou.

PS de Sines preocupado com detenção mas confiante nos autarcas eleitos

A detenção do Autarca levou a uma reunião urgente da Comissão Política do PS de Sines que, num comunicado, além de expressar a sua “preocupação com o decorrido, assinalou a sua confiança no funcionamento da Justiça e no apuramento da verdade”.

“Afirmamos a nossa total confiança nos Autarcas eleitos pelo Partido Socialista e manifestamos a nossa solidariedade”, sustentou.

Para os socialistas, “é crucial que a Justiça seja célere para que a verdade prevaleça e a comunidade possa continuar a confiar nas Instituições democráticas”.

PCP defendeu “total transparência no funcionamento” da Câmara de Sines

Após a detenção do Autarca de Sines também o PCP defendeu “total transparência no funcionamento” da Câmara Municipal de Sines e exigiu que seja facultada toda a documentação para a “clarificação da situação”.

“É necessário garantir total transparência no funcionamento da Autarquia, exigindo-se que sejam facultados aos eleitos autárquicos (…) todos os elementos, documentação e informação necessários à clarificação da situação”, afirmou a Comissão Concelhia de Sines do PCP, num comunicado.

Para os comunistas, esta é a altura de aguardar pelo “resultado das investigações e diligências em curso, pela informação cabal sobre os factos” que conduziram à detenção do Autarca socialista Nuno Mascarenhas e à demissão do Primeiro-Ministro, António Costa, e pelo “apuramento de eventuais responsabilidades e consequências”.

“Independentemente da legalidade ou ilegalidade dos atos praticados, estão em causa questões como a clarificação de quais os interesses prevalecentes nas relações entre a Autarquia e grupos económicos, bem como os interesses da população de Sines e o bom nome do Concelho”, frisou.

No entender do PCP, com base na Lei, a atual situação “não impede, nem pode interferir com o regular funcionamento dos órgãos autárquicos, mas coloca uma maior exigência no seu funcionamento democrático e preparação atempada”.

No comunicado, os comunistas deixaram “uma palavra de valorização e tranquilidade aos trabalhadores da Autarquia, reiterando que os recentes acontecimentos não implicam, nem podem servir de justificação, para qualquer alteração das suas condições”.

“Independentemente do curso das investigações, a presente situação não pode de modo algum servir de pretexto para a maioria PS na Câmara de Sines adiar mais ou continuar a falhar com a resposta às necessidades da população e dos trabalhadores da Autarquia”, defenderam.

Quanto aos investimentos em curso e previstos para o Concelho de Sines, “que de acordo com as informações vindas a público estão no centro do processo judicial”, o PCP reforçou que “sempre assumiu uma posição clara, muitas vezes isolado, de que estes devem em primeiro lugar servir para o desenvolvimento do país e do concelho”.

Entretanto, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou que vai dissolver o parlamento e marcar eleições legislativas antecipadas para 10 de março.

Autarca sai em liberdade e sem acusações depois de seis dias detido

Seis dias depois da sua detenção, o Juiz do Tribunal de Instrução Criminal decidiu aplicar a Nuno Mascarenhas o Termo de Identidade e Residência (TIR), a medida de coação menos gravosa referindo que “não se mostra indiciada a prática pelo mesmo de qualquer ilícito criminal”.

Também os Administradores da empresa Start Campus, Rui Oliveira Neves e Afonso Salema, ficaram submetidos a TIR.

A empresa Start Campus, que é arguida no processo, vai ter de prestar caução no valor de 600 mil euros no prazo de 15 dias.

Diogo Lacerda Machado, Consultor e amigo do Primeiro-Ministro, ficou sujeito a uma caução de 150 mil euros no prazo de 15 dias e a não se ausentar para o estrangeiro, devendo entregar o respetivo passaporte à guarda do tribunal no prazo de 24 horas.

O Tribunal de Instrução Criminal determinou ainda que Vítor Escária, ex-Chefe de Gabinete do Primeiro-Ministro, António Costa, não se pode ausentar para o estrangeiro, devendo entregar o respetivo passaporte no prazo de 24 horas.

Numa declaração sem direito a perguntas, no salão nobre dos Paços do Concelho, o Autarca garantiu estar inocente na Operação Influencer e prometeu continuar a colaborar com a justiça “ao longo de todo o processo” judicial.

Acompanhado pelos restantes três eleitos da maioria do PS no Município, Nuno Mascarenhas, leu uma declaração de pouco mais de dois minutos.

“Estes foram dias muito difíceis, marcantes, com impacto na minha vida pessoal e familiar, nos quais o meu papel foi, e só podia ser, o de colaborar com a justiça”, começou por afirmar o Autarca, acrescentando que prestou “todos os esclarecimentos que lhe foram solicitados pelas autoridades”.

“Estando inocente, como estou, foi com a serenidade possível que lidei com toda esta situação, convicto de que sempre pautei a minha conduta de Presidente da Câmara Municipal de Sines na prossecução do interesse público inerente ao exercício das funções para as quais fui eleito”, referiu.

Para o Autarca “a justiça falou e decidiu, embora mantenha a reserva, uma vez que o processo continua a decorrer”.

“A verdade, em bom rigor, é que a justiça falou e decidiu, nesta fase, afirmar a minha inocência”, argumentou Nuno Mascarenhas.

Na breve declaração garantiu que o seu executivo, de maioria socialista, vai continuar a trabalhar com vista à atração de investimentos para este território.

“Iremos continuar a desenvolver o nosso trabalho com o mesmo sentido de compromisso público, para que o Concelho de Sines se mantenha um Concelho atrativo para as pessoas, para as empresas e para todos aqueles que queiram investir, públicos e/ou privados”, afirmou.

E assegurou que vai “continuar a lutar para o crescimento e desenvolvimento de Sines, do seu território e desta região”.

Para o Autarca, que cumpre o último mandato na Câmara de Sines, “a justiça fez o seu papel”.

“E concluiu que não existe qualquer ilícito na minha conduta, no exercício das minhas funções de Presidente da Câmara de Sines, às quais tenho, aliás, dedicado os últimos 10 anos da minha vida”, acrescentou.

Nuno Mascarenhas disse ainda que irá “aguardar com serenidade e tranquilidade pelo desfecho do processo judicial, confiante de que a justiça irá prevalecer” e agradeceu “à população, aos funcionários do Município, aos colegas de executivo e, em especial, à família por todo o apoio”.