CRÓNICA DA QUOTIDIANA VIVÊNCIA – José Manuel Claro

AS AMPLITUDES DA NOSSA EXISTÊNCIA

1 – Quando esta edição do ‘Leme’ chegar às mãos dos habituais leitores, já terão sido passadas duas datas muito especiais pelo seu simbolismo e pelas suas reais incidências no nosso quotidiano – o ’25 de Abril’ e o ‘1º de Maio’.

O ‘25 de Abril’ que, para nós portugueses representou um salto civilizacional que, ainda hoje, não temos, porventura, a abrangência necessária para julgá-lo em toda a sua plenitude, e o ‘1º de Maio’, data mundialmente reconhecida pela quase radical mudança dos direitos laborais em todo o mundo, como que estabelecendo uma transição do feudalismo para uma democracia no relacionamento entre patronato e classe operária.

Estas duas datas, cada uma na sua época e a seu modo, mexeram com toda uma sociedade, nos seus mais profundos cânones de relacionamento interpessoal.

Em Portugal, no abril de 74, a mudança foi de tal ordem que, vista à distância de cinquenta anos, ainda temos imensa dificuldade em sistematizar certos comportamentos sociais alterados pelo sucedido.

Nada se pode comparar no ‘antes’ ou no ‘depois’ da nossa sociedade, hoje mergulhada em conflitos, muitos deles ditados pela gestão política, por parte daqueles que nos governam.

Quando de uma forma simplista nós, os mais vividos, tentamos estabelecer paralelismos entre o outrora e o presente, geralmente esquecemo-nos de considerar a génese do poder instituído – nos tempos idos, imposto autocraticamente e hoje, saído de eleições em que o cidadão pode expressar livremente a sua opinião.

 

2 – Estas deambulações pelos possíveis paralelismos que sempre poderemos estabelecer, caem, na maior parte das vezes, quando indo um bocadinho mais além nessas discussões, esbarrando em deficiências da nossa sociedade que já vinham dos tempos do antes e continuam, nos pós ’25 de Abril’.

Um dos conceitos mais gravosos e asfixiadores do nosso desenvolvimento social está refletido no conceito de ensino e educação praticado neste País.

A educação, terá de ser sempre dada em casa, no seio familiar, a quem compete moldar os mais novos para um comportamento social mais adequado à vida que o espera e que ele tem de enfrentar em sociedade.

O ensino, esse sim, terá de ser ministrado nas escolas, dotando o aluno com as ferramentas necessárias ao seu harmonioso desenvolvimento social e profissional.

Essa diferença de conceitos, encontra-se erroneamente espelhada, desde logo, no nome dado ao Ministério que tutela o ensino – Ministério da Educação.

 

3 – Mas, voltando ao início da nossa crónica, a mudança abrupta na situação política do País em abril de 74, levou igualmente a uma alteração do léxico usado na comunicação intersocial.

Passou-se a usar e a abusar do termo ‘amplas liberdades’, sem que se tivesse o cuidado de ensinar a base de todo esse conceito inter-relacional entres as pessoas, quando em sociedade.

Esqueceram-se, por exemplo, de ensinar que a liberdade individual de cada um, acaba quando aparece a liberdade individual de cada qual, com que nos relacionamos.

Poder-se-á simplificar, recomendando um respeito pelo próximo, mas dever-se-á ir muito mais além do que isso.  José Ortega y Gasset, filósofo espanhol, costumava proferir o conceito do «Eu sou eu e minha circunstância». Ora, com os nossos interlocutores sociais passa-se a mesmíssima situação e aqui entra a educação que seria suposto termos recebido dos nossos progenitores e outras ambiências familiares e que nos levariam a respeitarmos essas fronteiras individuais.

Se quisermos fazer alguma coisa pela sociedade em que coabitamos com o mundo, comecemos pela educação, pedra basilar do relacionamento social.

Quanto ao nome do Ministério, bem, esperemos que numa próxima eleição que conduza à posse de um governo, seja tida em conta a mudança de nome, mas, muito mais do que isso, a mudança de conceito de ensino acautelando a formação das nossas descendências.

O Ministério da Educação ficará sediado nas nossas casas, o Ministério do Ensino andará por aí, por tudo o que são escolas.                                          José Manuel Claro