Professores lutam pela escola pública no litoral alentejano

Dezenas de professores, auxiliares e até pais e alunos estiveram concentrados nas últimas semanas em frente às escolas de vários concelhos do litoral alentejano no âmbito da greve que está a decorrer desde 09 de dezembro por tempo indeterminado convocada pelo Sindicato de Todos os Professores (STOP).

Por toda a região têm sido várias as concentrações de professores à porta das escolas, que têm estado a funcionar “a meio gás”, para demonstrar a sua insatisfação face à precariedade, não progressão das carreiras, atualização salarial, horários legais e aposentação justa.

No Agrupamento de Escolas de Santo André “todas as escolas do 1.º ciclo já estiveram fechadas pelo menos uma vez” devido à greve dos professores, revelou ao jornal o Leme, a representante do STOP, Cira Cardoso.

“Houve dias em que foram as funcionárias que fizeram greve nas escolas do 1. º ciclo, houve outros dias em que os professores fizeram greve no tempo letivo todo e outras situações em que houve professores a fazerem greves por tempos, mas todas as escolas já estiveram fechadas pelo menos uma vez e no pré-escolar houve muitas que fecharam também, afirmou.

Para a sindicalista, a mobilização “não tem sido difícil” porque os professores “sentem uma injustiça muito grande a vários niveis”.

“Em Portugal continental ainda não temos o tempo dos seis anos, seis meses e dos 23 dias reconhecidos nas nossas carreiras, de forma a que conseguíssemos estar colocados nos escalão [respetivo]”, exemplificou.

Também a avaliação do desempenho docente “é injusta”, uma vez que o professor “para entrar no 5.º ou no 7.º escalão precisam de ter um Excelente ou um Muito Bom, mas depois não existem as quotas, ou seja o agrupamento acaba por não ter a possibilidade de dar a nota final a todos os professores”, reiterou.

Outra das questões que conduziu “à insatisfação dos professores” colocados neste território diz respeito à mobilidade dos docentes que são de “zonas geográficas muito distantes do país” que, no início de cada ano letivo, se debatem com as “dificuldades em arranjar casa, transporte, de terem uma situação familiar estável” o que “inviabiliza o seu bem estar”, indicou.

“A questão da municipalização também é muito grave para nós porque temos assistido aos níveis de corrupção que existe” no país, adiantou a dirigente sindical que participou na manifestação do passado dia 14 de janeiro que juntou milhares de professores em Lisboa, incluindo cerca de “45 professores e educadores” do Agrupamento de Escolas de Santo André.

Uma das maiores concentrações aconteceu, no passado dia 13 deste mês, na Escola Básica Frei André da Veiga, em Santiago do Cacém, tendo juntado mais de uma centena de pessoas entre professores, auxiliares, pais e alunos.

Uma das maiores concentrações aconteceu, no passado dia 13 deste mês, na Escola Básica Frei André da Veiga, em Santiago do Cacém, tendo juntado mais de uma centena de pessoas entre professores, auxiliares, pais e alunos.

Ao Leme, José Paulo Ribeiro, professor há 35 anos, fala numa “degradação total da escola pública”, apontando a “falta de professores” entre as principais questões do descontentamento geral.

“Neste momento já temos em Portugal milhares de alunos que não têm aulas a uma ou duas disciplinas, algumas das quais com exame no final do ano, mas parece que ninguém está muito preocupado com isso”, afirmou.

À margem da ação de luta que culminou uma semana inteira de protestos, o docente mostrou ainda preocupação em relação “à falta de psicólogos” nos estabelecimentos de ensino que “não têm pessoas” para assumirem “alguns projetos” escolares.

“Há alunos que precisavam de apoio e não têm porque não há professores para apoiar essas crianças, por isso não sei o que se pretende fazer da educação em Portugal”, frisou.

Erguendo cartazes a pedir “dignidade”, “justiça” e “respeito”, os professores manifestaram a sua insatisfação para com o Ministério da Educação.

“Professores a lutar, também estão a ensinar”, “Professores em Greve”, “Por uma Escola mais feliz”, “Pela Educação Agora” foram algumas das palavras de ordem.

Aos professores juntaram-se também algumas dezenas de auxiliares, pais e alunos.

“Esta semana estivemos quase todos os dias em luta e culminou com [esta] ação com muito apoio dos pais. Finalmente é a própria sociedade que se está a erguer a dizer que isto não pode continuar desta forma”, disse José Paulo Ribeiro.

Questionado sobre as diferenças entre esta luta e outras ações e protestos de professores que a sociedade tem assistido nos últimos anos, o docente, reconheceu que as anteriores reivindicações têm sido “entendidas como uma luta pela carreira dos professores”, quando se trata de criar condições para a escola pública.

Esta greve “é diferente” também porque os professores “não estão a reboque dos sindicatos”, explicou o docente, reconhecendo no entanto que “são os sindicatos que representam” a classe e “só eles é que podem decretar greves”.

“O STOP foi o primeiro a fazê-lo, mas isto ultrapassa o [sindicato] em largos milhares de pessoas. Ninguém está aqui por sindicato nenhum, estamos aqui pela nossa carreira, pela nossa profissão do pelos nossos amigos”, concluiu o docente que garante lutar até ter “um futuro”.

Também Rosa Maria, professora há mais de 42 anos, a maioria deles no Agrupamento de Escolas de Santo André, diz-se “triste” pela forma como a sua classe tem sido “desrespeitada” com “horários muito extensos, a troco de um vencimento miserável”.

“Os professores continuam a pôr de pé todos os dias o ensino público, a troco de muito poucas benesses, mas esta é uma luta pela docência atual e para que as condições venham a ser melhores”, defendeu.

Para esta docente, que tem aderido nas últimas semanas à greve “por tempos” com concentrações frente à Escola Básica n.º 1 de Santo André, é “uma vergonha” que os professores vivam como verdadeiros “saltimbancos”, tendo de “arranjar casas ou quartos noutros sítios para lecionar”.

“Ano após ano nunca sabem onde vão parar e depois, chegam a uma altura da vida, que ao fim de 20 anos de serviço ainda nem sequer estão agregados a uma escola. Quando chegam ao sistema de escalões encontram novamente entraves, prestando provas e aguardando que haja quotas para entrar”, lamentou.

No seu entender, esta é uma profissão “de desgaste” e “não é atrativa” para os mais novos que queiram ingressar na escola pública.

No entanto, ressalvou, “o único problema dos docentes não é [apenas] a subida do escalão, nem os vencimentos”, mas “também as condições das escolas” que funcionam “com computadores obsoletos” e “muitas vezes sem internet”.

“Não há professores para dar apoio aos alunos, não há psicólogos em número suficiente, funcionários em número suficiente para assegurar os intervalos”, exemplificou a docente, considerando que “a escola pública está moribunda”, concluiu.

Na sexta-feira, dia 20, os professores juntam-se numa Marcha pela Educação, a partir das 17:00, que vai ter início na Escola Secundária Padre António Macedo, em Vila Nova de Santo André, com passagem por várias artérias da cidade, mas estão também previstos vários plenários sindicais.

 

 

Helga Nobre