Jorge Nunes – a tenacidade feita homem

O seu primeiro salário foi ganho aos 12 anos, a apanhar mato. Antes disso chegou a ir à escola descalço e a ter de palmilhar oito quilómetros a pé. Lavrou terra, alcatroou estradas, foi comerciante, Autarca e de permeio ainda conseguiu ser atleta do Benfica na modalidade de ciclismo e dirigente desportivo. Em 2014, com 77 anos, recebeu das mãos do então Presidente da República Prof. Aníbal Cavaco Silva, a Condecoração de Oficial da Classe Mérito Comercial – Ordem do Mérito Empresarial, pelos seus quase cinquenta anos ao serviço da Caixa de Crédito Agrícola da Costa Azul.

Hoje, com 84 anos, Jorge Nunes continua ativo na Presidência do Conselho de Administração da Fundação Caixa Agrícola da Costa Azul, na Provedoria da Santa Casa da Misericórdia de Santiago do Cacém assim como membro de Conselho Fiscal do Centro de Ciência Viva e do CEBAL – Centro de Biotecnologia Agrícola e Agroalimentar do Alentejo.

Ao longo da sua vida ocupou inúmeros cargos tendo por educação formal um grau inferior ao atual 9º ano, algo que nos confidenciou, nunca o ter travado nesse desempenho e ambições pessoais.

A traços muito largos, bastante largos mesmo, tentámos escrever um dos perfis possíveis deste homem que ao longo da sua vida foi um batalhador, um empreendedor nato e que construiu uma obra socialmente visível e multifacetada da qual, hoje se pode orgulhar.

Foi na Provedoria da Santa Casa da Misericórdia de Santiago do Cacém que nos recebeu e se dispôs a abordar os tópicos que lhe propusemos:

Fundação Caixa Agrícola Costa Azul (CA)

“Há coisas que eu acredito que vale a pena lutar”

A génese da Fundação, os fins a que se propõe e a quotidiana ação desenvolvida, foi a primeira abordagem desta nossa entrevista.

«Há coisas que eu acredito que vale a pena lutar. A CA foi nestes últimos anos a maior e hoje ainda é uma das maiores do País, tendo sempre obtido bons resultados financeiros. Estatutariamente, uma parte desses lucros são investidos no bem-estar social público – criando empresas dinamizadoras da sociedade, apoiando associações, etc. numa palavra, contribuindo para o bem comum. Foi com este fim que nasceu a ideia da criação da Fundação, ideia essa que aquando da apresentação e Assembleia Geral da CA, não recebeu a aprovação imediata dos outros Órgãos Sociais.

Quando comemorámos os cem anos de existência emergiu a necessidade de possuirmos uma estrutura que centralizasse todo o nosso historial, obstando assim às dificuldades de recolha registo e tratamento do acervo que uma Instituição deste género sempre vai gerando – documentação, máquinas, instalações, etc.

Por outro lado, a Fundação agora criada, obterá os fundos possíveis e destinados a esse apoio social, promovendo a sua difusão e libertando a Empresa dessas atribuições com uma maior rentabilização da estrutura bancária existente. Um exemplo disso é o apoio dado a quem necessita de medicamentos e não dispõe de meios materiais para o fazer. De referir que esta ação é anterior à criação da Fundação e está instituída nos seis Concelhos por onde a CA estende a sua atividade, com a exceção de Setúbal que, dada a sua grandiosidade, tornaria incomportável esse apoio. Para além de tudo isto ainda concedemos bolsas de estudo e material informático às escolas.

Através de um contrato de cedência que estabelecemos com a Câmara Municipal de Santiago do Cacém reconstruímos o antigo edifício do Paços do Concelho e de imediato demos início à atividade cultural através da organização de exposições, a criação de uma pequena escola de teatro, rentabilizando a excelente recuperação arquitetónica realizada e da qual nos orgulhamos. Estamos a tratar da obtenção do Estatuto de Utilidade Pública para a Fundação».

Provedoria da Santa Casa da Misericórdia de Santiago do Cacém (SCMSC)

“Todo esta estrutura custa-nos à volta de dezoito mil e quinhentos euros diários”

Homem de diálogo fácil, as situações vão emergindo de uma forma natural, mas jornalisticamente tornava-se necessária uma mudança de tema, abordando mais uma das suas facetas em que a sua vida é muito rica.

«É uma Instituição implantada numa área difícil, sensível, complicada, mas que me dá muito prazer e orgulho em conduzir.

Estou por aqui, há volta de uns trinta anos, apenas existia este edifício, o Asilo S. João de Deus, tínhamos uma creche em Santo André e outra em Santiago e tinha um edifício arrendado onde funcionava um lar e um quadro de pessoal com sessenta utentes e trabalhadores. Neste momento temos mais de trezentos trabalhadores, cerca de trezentos a trezentos e cinquenta utentes.

Possuímos três Unidades de Cuidados Continuados e dois lares, este e aquela nova unidade à entrada de Santiago que tem quarenta utentes. No antigo Hospital Conde do Bracial funciona a unidade de cuidados médios e de longa duração. A partir de outubro esta unidade vai ser reestruturada para cuidados de curta duração, média e longa convalescença, com a inclusão de alguns serviços que hoje são prestados pelo Hospital do Litoral Alentejano (HLA).

Todo esta estrutura custa-nos à volta de dezoito mil e quinhentos euros diários, valor que por si só espelha as enormes dificuldades de gestão agora agravadas com a pandemia que nos tem assolado. Fruto dessa situação as finanças foram desequilibradas em meio milhão de euros, o que nos levou à alienação de património para satisfazer as necessidades mais prementes a fornecedores e em salários. Poderemos dizer que “foram-se os anéis, mas os dedos ficaram”.

Deveremos aqui realçar que durante esta pandemia nunca tivemos um único utente com Covid, e se olharmos à nossa volta, não encontramos Misericórdias que tenham registado uma situação idêntica.

Neste período contratámos uma unidade hoteleira que ficou responsável pelas quarentenas dos utentes que, por qualquer motivo, tiveram necessidade de se deslocar a consultas externas. Tudo isso agravou a exploração económica das nossas estruturas assistenciais.

Toda a nossa vasta equipa de colaboradores está direcionada para um estatuto de cuidados, que proporcione aos nossos utentes o maior conforto e sanidade».

Santo André e a falta de estruturas de apoio à terceira idade

Novo Lar – “O custo total da obra está avaliado em quatro milhões de euros”

Por sabermos da ligação funcional da SCMSC à cidade de Santo André, teríamos de abordar esta temática que, em si, se está a tornar mais sensível a cada dia que passa.

No seminário “Cidade Nova 2030 – O futuro de Vila Nova de Santo André”, organizado em maio de 2018, foram mencionadas as reais necessidades desta cidade em relação às estruturas sociais de apoio.  Na altura, intervieram o representante da Paróquia de Santa Maria, o Sr. Padre Abílio e o Provedor da SCMSC o Sr. Jorge Nunes. Foram trazidas a lume as várias lacunas existentes e feitas algumas declarações de intenção por parte do Sr. Provedor.

Qual o ponto da situação?

«Dias após a realização desse seminário reuni-me com o Padre Abílio que me comunicou a impossibilidade por parte da Igreja em assumir essa construção. Reuni-me com os meus pares e avançámos com o projeto que já está concluído, aprovado pela Câmara com quem fizemos um contrato de cedência de terrenos para o efeito.

O projeto encontra-se igualmente aprovado pela Segurança Social, estando presentemente a aguardar o financiamento por parte do estado, que garante cerca de cinquenta por cento do custo do investimento necessário.

Ainda na fase de submissão à aprovação, tivemos necessidade de fazer algumas reformulações para ele poder ser considerado a par de outras candidaturas nacionais que no seu conjunto constituem um bolo de cerca de oitocentos milhões de euros.

Logo que chegar o financiamento estatal trataremos de arranjar a nossa parte, o que suponho não ser difícil de conseguir e a obra arrancará de imediato.

O custo total da obra está avaliado em quatro milhões de euros, mas uma vez concedida a comparticipação estatal, apenas me preocupa a escolha do empreiteiro que ficará encarregue da edificação da obra. Suponho que a luz verde por parte do Estado irá sair antes do final do ano.

O lar que iremos construir não é um equipamento de luxo, mas terá um bom espaço e instalações condignas para receber os utentes que a ele recorram.

O futuro Lar até já tem nome – por decisão da Assembleia Geral da SCMSC – foi decidido dar o nome do Padre Manuel Malvar – um nome digno e em memória de uma pessoa que tanto contribuiu para o desenvolvimento de Santo André, a vários níveis».

A conversa corria fluída e, tal como as cerejas, outras vertentes da ação assistencial hoje praticadas em Santo André vieram ao diálogo – o Apoio Domiciliário.

«Nas reuniões que mantivemos com o Padre Abílio ele propôs-nos que garantíssemos igualmente essa parte assistencial (Apoio Domiciliário) que até aí vinha sendo assegurada pela Paróquia de Santa Maria. A concretização desse processo não foi assim tão fácil e ainda está a decorrer, porque as instalações em que está instalado pertencem ao Ministério da Saúde.

Essas instalações onde funciona o Centro de Dia viram o seu espaço reduzido devido às obras que o Ministério está a efetuar nessa Unidade e enquanto não surge o acordo entre a Segurança Social e o Ministério da Saúde para a utilização desse espaço, surgiu uma outra ideia, apoiada no recurso às instalações do “Ninho” onde existe um espaço que poderemos perfeitamente instalar-nos.

A logística principal de apoio funcionará em Santiago e aquele espaço será utilizado unicamente como base operacional. Sendo esta nossa proposta aceite, poderemos considerar que a transferência do Apoio Domiciliário ainda se efetivará durante o correr deste ano».

Aqui chegados deveremos confessar que sabíamos ao que vínhamos, que teríamos na nossa frente um homem ciente das suas convicções, obstinado, lutador incansável por tudo aquilo em que acredita e acreditou, recusando aos oitenta e quatro anos de existência, a reforma como fim formal de uma atividade que usualmente desempenhamos durante a passagem por esta vida dita ativa.

No final desta entrevista tive a ousadia de o epitetar como “locomotiva humana”, mas, bem vistas e analisadas as coisas, em termos socialmente comportamentais, foi a melhor comparação que encontrámos para a atividade desenvolvida em todos os lugares que ocupou, um homem cuja biografia tarda em ser divulgada.

Não nos esqueçamos que ainda bem menino e moço, palmilhava oito quilómetros diários, descalço, para ir à escola e não foi muito longe nos estudos, teve que começar a trabalhar bem cedo, ganhando o seu próprio sustento.

Respigando uma declaração sua à jornalista Joana Carvalho Fernandes e publicada na revista “Sábado” em 30 de setembro de 2016 – “Inteligente é quem se rodeia de pessoas mais inteligentes do que ele”.

Não será tudo… mas explica muita coisa!!!…