CRÓNICA DA QUOTIDIANA VIVÊNCIA – José Manuel Claro
1 – Muito velhos, velhos, de meia idade, novos, jovens, crianças, cumprido que está mais um ciclo das suas vidas – as férias anuais de 2024, partiram. Lá pelos finais de junho, começaram a chegar, reforçaram o contingente durante julho, e atingiram o auge invasor durante o agosto.
Com o findar deste último mês, como que arrumaram toda a tralha nos cada vez mais apertados carros e retomaram o caminho de casa, retornando à vida essencialmente composta pela rotina quotidiana, com uma ou outra variação no ritmo escolar dos seus filhos, que se aprestam igualmente para darem início a mais um ciclo de estudos.
No primeiro dia de setembro e decerto celebrando o facto numa festa de despedida, como que se concentraram, nas superfícies comerciais cá da zona, tentando preencher com o avio, alguma nesga de espaço que descobriram lá para um recanto do automóvel.
O sossego e a pacatez, vão voltar a ser um apanágio das catedrais do consumo da região que, apesar de circunstancialmente mais aliviadas de gentio, continuarão a sofrer a pressão, por parte daqueles que, vindos de fora, trabalham no Complexo Industrial de Sines, e são muitos!
2 – No meio de tudo isto, há aqueles que mantiveram as suas tertúlias cafeínicas, ultimamente muito aconchegadas de gentio, e em que os mais assíduos, faziam prodígios logísticos para conseguirem mesa e arregimentar umas quantas cadeiras que garantissem o quórum, aos habitués.
Essa luta diária, quase corpo a corpo, pela garantia de espaço de convívio, sofreu abruptamente como que uma mudança de paradigma, ao ponto de, quando agora terminam os convívios, já nem arrumam as cadeiras junto das respetivas mesas, deixando-as espalhadas esplanada fora, perante o desespero do ou da empregada que está de turno.
As grandes mercearias como que se esvaziaram dessa horda invasora, retomando a sua pacatez, aqui e ali quebrada por uma ou outra hora de ponta, mas nada igual ao período acabado de se viver.
«Agora podemos voltar às nossas praias», como que sentenciou alguém em plena esplanada do café, utilizando um tom de voz mais elevado, como que comemorando a reconquista dos espaços anteriormente ocupados pelos invasores, e agora devolvidos ‘a quem de direito’, como se os turistas que nos visitaram, não tivessem os mesmos direitos do que os que por cá habitam.
Esta intervenção, mereceu a resposta pronta e bem-disposta, vinda lá da última mesa da esplanada, em que um indivíduo sorridente e com alguns vestígios de croissant misto de fiambre e queija a aflorarem-lhe aos cantos da boca, sorrindo, respondeu igualmente em voz alta: «Ó amigo, vá só depois do almoço, porque de manhã eu ainda vou tirar de lá a minha sombrinha e as toalhas que estão estendidas sobre o areal».
3 – Chegados a setembro, já se vislumbra lá mais ao fundo do calendário, mais propriamente no dia 22, o senhor Outono, montado no seu equinócio que vem ajoujado de malas, dado o estatuto de meia estação, que é por definição, a época em que não sabemos o que vestir.
Vão começar nos campos as azáfamas com as colheitas, o cheiro a mosto vai pairar no ar como que adequando o nosso olfato, aos matizes com que a mãe natureza se vai revestir e a que o sol depois de passado o paralelo do equador, igualmente dará uma preciosa ajuda.
Muitos e bons dias de praia, ainda sobrevirão a esta mudança de estação.
4 – Como os nossos leitores devem ter estranhado, a temática de hoje quedou-se pelo lirismo contemplativo da natureza, pela análise de uma sociedade em férias e, foi precisamente nessa contemplação, que lá ao longe, mas cada vez mais perto, avistei a horrenda guerra com o seu triste cortejo de incidências espúrias para a humanidade.
Foi aquando do meu ‘banho do 29’, tomado em agosto, por volta das seis da manhã, ali para os lados de uma praia adjacente ao Complexo Portuário de Sines, e em que, ao sair da água, com a garantia de mais sete anos de vida, mas, sem ter a certeza se, em caso de guerra, poderei voltar a celebrar aquela data, naquele local e àquela hora. É que aquele Complexo Portuário, como infraestrutura primordial no abastecimento da Europa, será um dos locais preferidos para receber os bombardeamentos destrutivos, da outra parte beligerante, o inimigo, e acerca do qual, ainda não consigo, vislumbrar a sua identidade. JOSÉ MANUEL CLARO