CRÓNICA DA QUOTIDIANA VIVÊNCIA – José Manuel Claro
1 – Observando o clima que se vive na atual situação política nacional, não fossem os laivos de tragédia com que se deixa vislumbrar num futuro próximo, dir-se-ia que estávamos perante uma comédia daquelas que já não são produzidas desde os tempos dos primórdios do cinema português.
O clima atual da política portuguesa e dos seus agentes, encontra-se bastante alterado, se tomarmos por base a situação mais ou menos estável em que, há uns anos a esta parte, se desenrolava a gestão política da nossa sociedade.
Ultimamente, o Presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, entendendo dar a sua opinião sobre os acontecimentos que condicionam a vida política do País, e contrariando toda a azáfama que campeia no seio do partido do governo e igualmente em toda a oposição, resolveu tirar da cartola a possível inevitabilidade de eleições antecipadas, visando devolver ao povo a decisão soberana do como deseja ser governado e por quem.
Para além da justeza ou não deste ponto de vista, teremos de reconhecer que esta solução preconizada pelo Autarca, só foi possível de vir à luz do dia, dada a sua condição de independente e em final do seu terceiro mandato autárquico. As opiniões expressas, vão ao arrepio de toda uma conjuntura que está a ser montada pelos vários agentes intervenientes, apontando uma solução inversa – a manutenção do atual elenco governativo tendo por base a viabilização do proposto Orçamento de Estado para 2025.
2 – Ora, como facilmente se depreende, a novela, porque de uma novela se trata, gira à volta de um Orçamento de Estado para o próximo ano que, de tão desvirtuado por imposições mais ou menos teatrais, de reduzido impacto social e igualmente político, está quase, quase irreconhecível em relação ao inicialmente elaborado pelos seus progenitores o que, se o compararmos com uma fotografia de família, poderíamos dizer que o pai, mais parece a mãe.
Costuma dizer o povo, na sua empírica sabedoria, que «pela boca morre o peixe» e, se atentarmos bem ao sucedido nestes últimos tempos, só poderemos dar razão ao empirismo analítico popular. Quando o PS apresentou o seu último Orçamento de Estado, logo se tornou célebre a avaliação efetuada pelo então líder da oposição Luís Montenegro: «trata-se de um orçamento pipi e muito betinho». Ora voltando à sabedoria popular, o povo igualmente costuma dizer: «não cuspas para o ar… o mais certo é cair-te na testa». Então, e não é que caiu?
As convicções mais ou menos programáticas do partido agora no poder, produziu um orçamento que depois de tantos cortes e retalhos, virou uma amálgama de linhas políticas de difícil execução, o que já levou o atual executivo a aumentar o imposto sobre os produtos petrolíferos, antecipando uma fonte de receita, sempre suportada pelos mesmos e cuja execução não augura nada de bom, em termos futuros para nós, anónimos contribuintes de tudo isto.
3 – Mas, olhando para toda esta novela em que os maus e vilões são sempre os mesmos e em que as vítimas somos sempre nós, o povo, enquanto seres pagantes e necessitando dos combustíveis como de pão para a boca, que inconveniente de maior terá o recurso a eleições antecipadas?
É notório que as alterações do clima político, provocaram uma súbita escassez de quadros partidários e, desnecessário será, taparem o sol com a peneira, porque este é o real motivo do desespero em que se banham o governo e os partidos da oposição, numa palavra, os atores políticos em cena. Em toda esta situação vivida, o Presidente da República tem-se comportado como mero influenciador, parecendo ter transferido essa sua apetência, agora em averiguação por parte do poder judicial em relação a outras ocorrências, para a manipulação do poder político atual, levando ao extremo, de agitar um cenário quiçá surrealista, em que, lá ao fundo, aparece um Almirante na Reserva, apresentado como um agente que tenderia a acabar com este estado de coisas em que se movem os atuais interesses políticos, facto esse, pouco verosímil.
No meio de toda esta azáfama política, saltou-nos á memória uma frase proferida pelo Capitão Salgueiro Maia, na parada do quartel de Santarém, imediatamente antes de sair com a coluna de blindados em direção a Lisboa: «Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado, o Estado socialista, o Estado capitalista e o estado a que chegámos». Isto foi proferido em 1974. Agora, cinquenta anos depois… JOSÉ MANUEL CLARO