Sínodo 2021/2023 – Relatório de Portugal

Em resposta à convocatória inovadora lançada pela Santa Sé, os leigos, consagrados, diáconos, sacerdotes e bispos da Igreja Católica em Portugal, e em todo o mundo, viveram meses de união, auscultação e reflexão sobre a ação evangelizadora que têm vindo a desempenhar, numa tentativa de, em verdadeiro espírito sinodal, discernir o que se pretende para a Igreja do presente e do futuro, fazendo o levantamento de processos, métodos e meios que nos podem ajudar a passar de uma Igreja exageradamente centrada na autoridade e ação do clero para uma Igreja sinodal e missionária, na comunhão e participação ativa de todos os seus membros.

São unânimes as manifestações de gratidão por parte de quem participou no processo sinodal. Foi consoladora e animadora a experiência de poder rezar e conversar juntos, fazendo a escuta recíproca com franqueza aberta. E foi revigorada a arte de deixar nas mãos de Deus o caminho e o destino da Sua Igreja, para que, através dos pastores que brindou ao Povo de Deus, a todos conduza para Ele, que é a única fonte de Bem, Verdade e Beleza.

 

I – Processo de Recolha de Informação

O método sinodal, iniciado em 2021, apelou a que a participação se manifestasse maioritariamente através da criação de grupos de escuta e de diálogo, para assim se proporcionar uma melhor oportunidade aos diversos grupos de se escutarem uns aos outros, ao invés das plataformas online, apesar de estas permitirem amplificar a participação, particularmente das vozes que não foram ouvidas no passado.

A recolha de informação efetuada pelas dioceses portuguesas fez-se essencialmente a partir dos encontros de grupo e de inquéritos on-line elaborados para o efeito. Os grupos reuniram maioritariamente em formato presencial. Contudo, devido aos constrangimentos causados pela pandemia, alguns optaram por formas de encontro por meios telemáticos.

Recorreu-se ainda a outras ferramentas de recolha de informação de forma a gerar uma participação diversificada que incluísse todos os grupos etários, como, por exemplo, caixa de recolha de opiniões sobre o tema, partilha nas eucaristias dominicais, distribuição do inquérito sinodal nas caixas postais dos residentes da comunidade, conversas informais e por email e também a colocação de pontos de recolha de respostas ao inquérito em lugares públicos.

Na sua maioria, o alcance da escuta sinodal ficou restringida à realidade diocesana, em parte devido a uma débil estratégia de divulgação, enfraquecida pela incapacidade de simplificar a explicação sobre a relevância e a dinâmica da consulta sinodal.

As comunidades que tiveram pouca ou nenhuma informação sobre o sínodo, e que não estavam enquadradas nas realidades eclesiais, apesar de serem compostas por cristãos, não se organizaram espontaneamente, à exceção de alguns grupos, como foi o caso da auscultação aos docentes universitários, que envolveram crentes e não crentes na sua reflexão. Aliás, ficou em falta uma divulgação cuidada a nível nacional, que facilitasse a convocatória daqueles que não frequentam o espaço eclesial e que não estão por dentro da dinâmica paroquial. As dioceses alertaram para as dificuldades criadas por um calendário apertado, que dificultou o tempo de divulgação necessário à mobilização desejada.

Por esta razão, a escuta valeu-se dos grupos já com algum caminho percorrido dentro da paróquia, surgindo o sacerdote como uma importante figura, não só na constituição das equipas, por conhecer melhor a sua comunidade, mas também na divulgação do processo. Não obstante, em algumas dioceses, conseguiu-se ir além desta rede, tendo sido bem-sucedido o envolvimento das chamadas periferias, como os estabelecimentos prisionais e bairros sociais, ainda que a maioria se tivesse cingido às estruturas eclesiais com trabalho nesses âmbitos. Apesar de terem também conseguido receber algumas reflexões individuais, o seu número não deixou de ser residual.

O recurso à imprensa de inspiração cristã, nomeadamente os jornais diocesanos e os boletins paroquiais, bem como a imprensa local, na forma de entrevistas, artigos de opinião e notícias, e as redes sociais foram também essenciais na divulgação da consulta sinodal, ajudando a mitigar qualquer sentimento de desconfiança associado a este processo.

No que respeita aos materiais informativos e formativos, a maioria das dioceses reuniu, elaborou e disponibilizou on-line documentação sobre o Sínodo para o público geral e específico, criando novas páginas web para o efeito, tendo-se procurado simplificar a linguagem de forma a favorecer a compreensão e facilitar a reflexão, uma decisão fundamental para o sucesso da escuta.

Foram muitas as dioceses que apontaram o facto das perguntas do inquérito estarem elaboradas de forma muito complexa, o que levou a que se tivesse de reelaborar as questões com uma linguagem aberta a crentes e não crentes e de forma diferenciada consoante o público-alvo.

Foram levantadas outras adversidades quer em relação às dioceses em Sede Vacante, que manifestaram dificuldade na dinamização do processo sinodal, uma vez que a ausência de bispo alterou os dinamismos/ritmos diocesanos e paroquiais e, consequentemente, a participação, quer em relação às dinâmicas de grupo, especialmente, na escuta com disponibilidade e partilha de opinião, percebendo-se uma grande dificuldade em chegar a um consenso em temáticas controversas. Contudo, a caminhada sinodal foi bem-acolhida pela população, tendo representado não só uma grande oportunidade para escutar as periferias e minorias, mas também para promover o encontro, diálogo e partilha aberta entre membros da mesma comunidade, suscitando um caminho conjunto em Igreja, no seguimento de Jesus.

 

II – Apresentação dos Resultados

Todos fomos convidados pelo Papa Francisco a participar no Sínodo, a dar sugestões, a ajudar a ver mais longe e com mais clareza, a estudar os assuntos, a ser luz para os outros e para o mundo.

Participar com clareza, com amor, com respeito, com desejo de uma Igreja renovada e com dinamismo reforçado, para cumprir a missão que Jesus Cristo confiou, significa ter de interpretar a realidade tal como ela se apresenta, analisando-a e estudando-a nas suas vicissitudes e nas suas fragilidades para que, em Igreja, se possam encontrar os caminhos para valorizar o que deve ser valorizado e corrigir o que tiver de ser corrigido.

Trata-se de uma auscultação à realidade presente e às causas que lhe deram origem para melhor discernir sobre esta experiência enriquecedora que constitui o próprio ADN de um cristão.

E, da participação de todos, sobretudo dos que foram ou se sentiram interpelados por esta dinâmica, seja os que estão nos órgãos eclesiais e que se sentiram motivados a participar, seja os que de forma direta ou indireta foram questionados e acederam ao desafio, sem medo nem complexos, resulta claro que todos querem uma Igreja renovada, mais amiga dos necessitados, mais santa e mais evangélica, que propicie o envolvimento de todos.

Desse ponto de vista, o envolvimento e a recetividade dos participantes neste momento da Igreja local podem ser considerados satisfatórios, com a generalidade das opiniões a caracterizar a escuta sinodal como uma realidade indispensável em Igreja, reforçando a vontade por uma caminhada em conjunto de forma regular e sistemática, através da criação de grupos formais e informais de diálogo dentro da Igreja e desta com o mundo, em especial com as periferias.

Apesar da indiferença declarada por alguns leigos, devidamente sinalizada, a caminhada sinodal foi acolhida com entusiasmo e expetativa por outros, tendo representado uma grande oportunidade para alcançar e escutar as periferias e aprofundar a comunhão entre os membros da mesma comunidade, promovendo o encontro, o diálogo e a partilha. Foi sentida uma maior indiferença na população jovem, que se mostrou pouco confiante com o resultado do processo sinodal por acreditar que não serão implementadas mudanças na Igreja, ao ritmo e visibilidade que anseiam. Acresce que, nalguns casos, a fraca adesão ao desafio da sinodalidade foi interpretado como uma atitude de resistência, sobretudo por parte do clero, ou de alheamento à dimensão universal abraçada pela Igreja.

De uma forma generalizada, manifesta-se o desejo de uma caminhada síncrona, em harmonia com os membros, uma vontade alimentada pela consciência nascida em contexto pandémico, de que somos tripulantes do mesmo barco, tendo-se sublinhado a importância da Palavra e da Escuta, como ponto de partida no caminho sinodal.

As diferentes comunidades diocesanas acreditam que a participação, corresponsabilidade e sinodalidade não são ainda efetivamente praticadas na Igreja o que tem consequências na forma como se vive e se perceciona a Igreja, uma visão espelhada nas seguintes afirmações:

– uma Igreja espiritual e humanamente pouco inclusiva e acolhedora, discriminando quem não está integrado ou não vive de acordo com a moral cristã, isto é, divorciados, recasados e pessoas com diferentes orientações sexuais, identidades e expressões de género (grupo LGBTQi+), que coloca em segundo plano as pessoas com deficiência, os mais pobres, os marginalizados e, consequentemente, desprotegidos, privilegiando atitudes assistencialistas nas situações de pobreza e institucionalização nos grupos mais vulneráveis;

– uma Igreja que tem dificuldade em fazer caminho com os jovens, negligenciado a importância de lhes proporcionar um espaço onde possam mostrar os seus talentos individuais e vontade na Igreja, e de colocar ao serviço da comunidade as suas capacidades. A este propósito, os jovens referem que o principal motivo que os afasta da Igreja e os impede de caminhar juntos assenta na diferença existente entre o seu modo de pensar e a doutrina da Igreja Católica, referindo que a Igreja tem uma mentalidade retrógrada e desajustada dos tempos em que vivemos. Como consequência, os jovens afastam-se e a Igreja torna-se inevitavelmente mais envelhecida, processo este que faz com que se acentue o fosso entre gerações;

– uma Igreja com uma atitude demasiado hierárquica, clerical, corporativa, pouco transparente, estagnada e resistente à mudança, que prioriza a manutenção da sua imagem ao invés de preservar a segurança da sua comunidade, surgindo os casos de pedofilia como o exemplo mais evidente;

– uma Igreja que apresenta uma atitude algo soberba e que se mostra pouco disponível para a escuta, marginalizando os anseios e as expectativas dos membros da sua comunidade, atribuindo-lhes, demasiadas vezes, um papel de recetores passivos;

– uma Igreja em declínio social no que respeita à sua reputação e relevância, que não tem sabido utilizar a força transformadora do Evangelho numa oportunidade de conversão social, valorizando uma cultura humanista capaz de fazer o contraponto ao globalismo, que amarra os pobres e sedimenta as desigualdades e o localismo que gera xenofobia e promove populismos;

– uma Igreja pouco disponível para discutir de forma aberta e descomplexada a possibilidade de tornar opcional o celibato dos sacerdotes e a ordenação de homens casados e das mulheres, e ainda muito presa a um modelo teórica e doutrinalmente assente numa conceção tradicional e assimétrica que concebe o humano a partir do masculino;

– uma Igreja na qual existe ambiguidade relativamente a alguns movimentos e grupos, reconhecendo-se, por um lado, a existência de uma experiência espiritual positiva e, por outro, um trabalho ausente de dinâmicas de comunhão e sem diálogo com o mundo através dos vários ambientes habitados por cristãos;

– uma Igreja que não considera as mulheres em igualdade com os homens na missão, sendo ambos batizados e, portanto, discípulos, e que é pouco aberta à atualização dos rituais e da linguagem litúrgica, muito fechada e codificada, que tornam as celebrações pesadas e demasiado formais;

– uma Igreja onde os processos de tomada de decisão e escolha de lideranças é pouco transparente e inclusivo, restringindo a Igreja ao corpo composto pelo sacerdote e os leigos que desempenham uma função nos grupos paroquiais/movimentos eclesiais, geralmente tidos como um corpo demasiado elitista, que ocupa posições quase de modo vitalício e se mostra incapaz de delegar de forma repartida e rotativa as diversas funções, impedindo uma vivência mais democratizada e condizente com a sociedade. A resistência em ceder espaço e o alheamento da comunidade de batizados da responsabilidade de exercer autoridade e participar na identificação de objetivos a prosseguir neste caminhar juntos comprometem ainda qualquer tentativa e exercício de renovação, impedindo que a Igreja acompanhe algumas mudanças sociais e consiga acolher pessoas novas que se aproximem e integrem nas comunidades;

– uma Igreja que não fomenta os níveis aceitáveis de formação dos vários agentes pastorais, com destaque para os sacerdotes, que apresentam uma formação deficiente quer para lidar com os problemas humanos da vida contemporânea, quer para trabalhar com os leigos, que exigem trabalho em equipa, corresponsável e de partilha de autoridade, surgindo o acompanhamento como dinâmica complementar e garantia da fecundidade da formação. Por outro lado, os ministros ordenados não têm formação adequada para responder a questões emergentes, como as que resultam da diversidade de género, o que dificulta um verdadeiro acolhimento de pessoas com orientações sexuais diferentes e que devem merecer atenção pastoral. É reconhecido que a iniciativa individual é fundamental para se conseguir um caminho conjunto, mas é sublinhada a importância de prestar atenção à vida das pessoas, promovendo a abertura da comunidade à participação de todos e não apenas de um grupo, para que todos possam responder da mesma maneira;

– uma Igreja que ainda não consegue formar os seus presbíteros através da via da beleza e da cultura, tornando-os homens do seu mundo e do seu tempo, com uma dimensão humana, espiritual e social, que lhes possibilite entender e interagir com a sociedade de forma credível, madura e relevante;

– uma Igreja que ainda não assume como um imperativo as causas da ecologia integral e a defesa da Casa Comum;

– uma Igreja que procura habitar o planeta digital, mas que não consegue contrariar os dispositivos logotécnicos que desvalorizam a presença face a face, empurrando adultos e jovens para uma enorme solidão social, sem que disso tenham verdadeiramente consciência;

– uma Igreja que não se adapta aos ritmos e às exigências da família de hoje, na sua ampla variedade, desde as questões relacionadas com a vivência da sexualidade conjugal aos novos ritmos das famílias, sobretudo as que têm filhos. A questão relativa à contraceção apresenta-se como um elemento contrastante entre a tradição versus a normalidade trazida pela secularização, uma posição que, aos olhos dos jovens, se apresenta como desatualizada da realidade. Daí decorre uma Igreja pouco atenta aos ritmos e desafios da sociedade, até do ponto de vista funcional, revelando horários de funcionamento desajustados, sobrepostos e pouco convidativos a uma verdadeira participação. Destacam-se os templos fechados, horários de missas sobrepostos e atividades simultâneas dentro da mesma comunidade, impedindo a participação de todos mesmo quando ela é desejada;

– uma Igreja que tem na sua principal expressão pastoral – a catequese – vícios e desencontros que inviabilizam a evangelização, sendo notória a dissociação entre o que é ensinado e o que é praticado: pais, alunos e até catequistas, que depois não vivem a sua fé de forma comunitária e não experimentam o verdadeiro encontro com Deus, ficando-se o momento da catequese como um prolongamento da escola, onde se aprendem conteúdos religiosos mas não se promove o verdadeiro encontro com Jesus;

 

– uma Igreja que não consegue encontrar uma harmonia na definição e cumprimento de requisitos para o acesso aos sacramentos, provocando assim disparidades dentro da mesma diocese, que alimentam a convicção da falta de comunhão entre sacerdotes, propícia a leituras de que existem dois mundos: um onde tudo é possível e outro onde tudo é proibido, com a proibição a sobrepor-se como fator negativo sobrevalorizado na perceção geral da Igreja. Importa sublinhar ainda a dificuldade da Igreja aproveitar os momentos de celebração social, como casamentos, batizados e funerais, como verdadeiros momentos de evangelização;

– uma Igreja que comunica de forma deficiente para dentro e para fora, reagindo mais do que propondo, mais informativa do que comunicativa. E, por isso, a perceção sobre a comunicação da Igreja é divergente: uns consideram-na bem-sucedida do ponto de vista informativo, mas com pouco alcance, além de ser demasiado reativa, não sugerindo uma agenda diferente, de acordo com os critérios e a linguagem do Evangelho;

– uma Igreja onde o ecumenismo e o diálogo com outras instâncias da sociedade continuam a ser insuficientes, revelando-se nalguns casos uma enorme ignorância em relação às outras religiões, e mesmo às confissões cristãs, e onde não há audácia no estabelecimento de pontes entre crentes e não crentes;

– uma Igreja que se debate com problemas financeiros, que embora pouco valorizados pela esmagadora maioria das dioceses, preocupa alguns dirigentes, que vêm a necessidade de se garantir uma maior sustentabilidade da Igreja, até para que possa cumprir a sua missão social e assumir as exigências de justiça que a sua doutrina social preconiza. Este aspeto foi colocado ao nível funcional, nomeadamente no que respeita às Instituições Particulares de Solidariedade Social, com particular enfâse nos Centros Sociais e Paroquiais que, infelizmente, continuam a ser presididos por sacerdotes, quando o deveriam ser por leigos competentes e contratados a tempo inteiro, motivados a estimular parcerias entre várias instituições;

– uma Igreja que concentra de forma excessiva no sacerdote diversas funções, que o impedem de cuidar da sua missão pastoral, na dimensão que a comunidade o exige.

Apesar destes aspetos negativos, na verdade, a Igreja é tida globalmente como uma instituição credível, presente nos locais onde ninguém ousa ir e solidária com os mais desfavorecidos, a quem presta assistência, mesmo quando falham todas as outras respostas sociais. De uma forma geral, salienta-se a capacidade de acolhimento da Igreja Católica, sobretudo no apoio à pobreza, capaz de providenciar um espaço para a vivência da fé, que seja propício e facilitador da oração, revelando-se como urgente que a Igreja concretize os caminhos apontados pelo Concilio Vaticano II e regresse à essência e à alegria do Evangelho, contando com o Espírito Santo para esta missão tão bela e tão responsável.

Está em jogo não um processo de conversão em massa, mas a conversão de cada coração em ordem a um futuro melhor; uma Igreja mais Santa e mais Missionária, a viver mais ao ritmo do Evangelho, mais serva humilde, imitando Jesus, o Bom Pastor e o Bom Samaritano.

Para todos, o principal fruto do processo sinodal é o prolongamento do sínodo até o estabelecer como modo de viver na Igreja. As atitudes de escuta, de acolhimento, de diálogo e de caminhar em conjunto são uma aquisição para a Igreja que todos desejam amplamente.

III– Visão da Igreja Atual e Propostas de Mudança

Para muitos dos participantes na caminhada sinodal, a Igreja é considerada um porto seguro, amplamente reconhecida como um espaço de comunhão e de encontro, protagonista na promoção dos valores cristãos e humanos, fazendo-se presente na resposta às necessidades humanas e espirituais das comunidades.

O cariz sociocaritativo é uma das dimensões que confere à Igreja uma visão positiva aos olhos da sociedade, por aparecer na linha da frente na defesa dos mais pobres e na promoção de uma vida digna e com qualidade, alcançando locais que outros setores da sociedade não conseguem, missão habitualmente desempenhada sem desejo de protagonismo mediático. Destaca-se o papel relevante nas áreas da educação, saúde e apoio à terceira idade, e a sua presença humanizadora nos momentos mais difíceis na vida de um indivíduo, acompanhando-o no luto e gestão da dor.

Reconheceu-se também que, ao assumir e corrigir os erros do passado, como no caso dos abusos de menores, a Igreja continua a ser uma referência positiva no seio da sociedade.

A celebração dos sacramentos com dignidade é também um traço acarinhado pelos participantes, assim como o magistério do Papa Francisco, que é recebido com alegria e esperança dentro das comunidades.

Mas dado o desafio lançado pela Santa Sé, que nos pede uma avaliação profunda sobre a Igreja e propostas de mudança, não podemos deixar de notar que a visão atual da Igreja é, pois, marcada por uma imagem maioritariamente desfavorável, como ficou expresso no ponto anterior, fazendo surgir várias áreas onde a conversão é urgentemente pedida.

Pede-se uma Igreja de portas abertas, que abrace a diversidade e acolha todos, excluindo as atitudes discriminatórias que deixam à margem a comunidade LGBTQIA+ e os divorciados recasados; uma Igreja que repense a participação de todos os batizados, independentemente da sua vida afetivo-sexual que é vivida, muitas das vezes, como um tabu; uma Igreja que disponibilize espaços abertos à partilha, ao diálogo e à reflexão, sem excluir qualquer tema, que promova um diálogo intergeracional e entre movimentos e paróquias, tendo por base projetos de metodologia sinodal em processo permanente e não meramente a organização de eventos ad hoc para este ou aquele grupo; uma Igreja que dê voz às minorias e estabeleça um diálogo com as periferias, sobretudo, aos que estão mais próximos de nós, denunciando a pobreza e apoiando os pobres, valorizando o que é essencial a uma vida digna e dando maior atenção aos recursos do planeta que, como sabemos, são finitos.

Assinalou-se a premência de uma Igreja mais transparente e rigorosa nas suas formas de decisão e gestão, menos refém das lógicas das “hierarquias” e do “poder” e que envolva a comunidade nestes processos, de maneira que todos respondam à sua vocação batismal e assumam um papel mais ativo, mesmo na escolha dos bispos e na transferência dos párocos.

Uma Igreja que seja uma família, disposta a caminhar em conjunto, quer ao nível paroquial, quer como Igreja universal: sente-se, pois, a necessidade de um maior e melhor entrosamento entre os grupos/movimentos paroquiais e a própria vida da paróquia, por forma a que todos se sintam parte integrante de uma Igreja viva e onde possam dispor e render os dons recebidos.

Exige-se uma Igreja mais transparente, capaz de dar testemunho coerente e de verdade no meio do mundo, no combate aos abusos sexuais, mas também no que se refere aos recursos financeiros.

Pede-se que haja maior rotatividade dos presbíteros ao serviço das comunidades e na assunção de responsabilidades, evitando assim a ocupação das mesmas funções por um período de tempo prolongado. Neste sentido, é importante libertar os párocos de trabalho burocrático e da administração de instituições e serviços, potencializando as estruturas diocesanas e propondo o envolvimento de leigos capazes de os substituir nestas funções, para que o seu foco principal seja a sua missão pastoral e o encontro próximo com a sua comunidade.

É importante também que haja uma maior exigência e continuidade na formação em várias dimensões, tanto dos sacerdotes como dos leigos. Uma formação teológica, bíblica, humana, para o exercício dos ministérios litúrgicos, sacramentais e presbiterais, e para o diálogo com a sociedade e a cultura. Uma formação contínua de leitores, cantores e acólitos, para que se mantenha a beleza e dignidade da celebração eucarística.

Nesta vertente formativa, apresenta-se como essencial a reestruturação do caminho formativo dos seminários, que exibe lacunas na dimensão humana, espiritual, afetiva e cultural, devendo enquadrar-se nos desafios e exigências do nosso tempo.

Destaca-se a importância de renovar a forma de comunicar, promovendo uma linguagem mais cuidada, aberta e adaptada às realidades, capaz de clarificar os conteúdos da fé, e que faça uso regular da comunicação digital e das redes sociais para uma melhor evangelização, divulgação e proximidade. Uma linguagem que abandone determinados formalismos e dicotomias exclusivas de batizados/não batizados, crentes/não crentes, etc., para que todos se sintam membros da mesma comunidade. Manifesta-se a necessidade de uma revisão da forma como se celebra e de uma redescoberta do significado dos sacramentos, de modo a levar as pessoas a fazerem a experiência do encontro com Jesus Cristo vivo. A este propósito, sublinha-se a importância da criatividade, para ser capaz de levar a Boa Nova de Cristo a novos espaços e novos públicos.

A propósito do espaço físico, salientou-se a necessidade de se repensar a disposição dos espaços de oração, para que o espírito de comunhão seja mais intensamente vivido pelos fiéis. É também importante eliminar as barreiras arquitetónicas e outros obstáculos que dificultem o acesso aos espaços de culto.

Assinalou-se a necessidade de ir ao encontro dos jovens nas diferentes comunidades, acompanhando-os no seu processo de discernimento vocacional, dando-lhes maior voz e protagonismo na dinamização de atividades e projetos nas instâncias eclesiais de decisão. É fundamental que os jovens se sintam comprometidos com a sua Igreja, mas que a Igreja se sinta disponível para os motivar, através, por exemplo, de figuras de referência que os ajudem a ser acolhidos e integrados. Mais do que pensar qual é o lugar dos jovens na vida da Igreja é preciso perceber que lugar pode ocupar a Igreja na vida dos jovens e, para isso, a Igreja tem que escutar e dar tempo aos jovens.

Foi também manifestada a importância da necessidade de reflexão sobre o celibato sacerdotal, propondo que o mesmo seja opcional; sobre a valorização do papel da mulher num plano de igualdade com o homem, incorporando-a nas estruturas do poder eclesial e sobre a harmonização de critérios e regras comuns para a pastoral e sacramentos, uniformizando as respostas de cada paróquia, transformando-a, assim, numa casa de todos, lugar onde o amor e a misericórdia sejam o pão nosso de cada dia.

A este propósito destaca-se também o desejo de uma maior comunhão inter-congregacional, promovendo uma maior colegialidade entre as dinâmicas diocesanas e as religiosas, apresentadas pelos vários carismas de institutos e congregações religiosas.

Este testemunho de comunhão é tido como vantajoso para que o caminho deixe de ser feito a partir de cada um e passe a ser assumido como uma necessidade de todos, convocados pelo Espírito Santo.

Por fim, salientou-se a importância de se consolidar a consciência sinodal, dando continuidade a esta dinâmica de caminhada conjunta, com linhas pastorais programáticas suscitadas pela Conferência Episcopal Portuguesa para toda a Igreja em Portugal, programa este delineado a partir da escuta das dioceses que, por sua vez, escutam as suas comunidades, refletindo e concretizando as propostas de mudança apresentadas, numa perspetiva de caminho conjunto criativo à escuta do Espírito Santo.

O mundo precisa de uma “Igreja em saída”, que rejeite a divisão entre crentes e não crentes, que olhe para a humanidade e lhe ofereça mais do que uma doutrina ou uma estratégia, uma experiência de salvação, um “golpe de dom” que atenda ao grito da humanidade e da natureza.

Lisboa, 5 de agosto de 2022

Conferência Episcopal Portuguesa